Cartas ao irmão

do Rosário, com seus reis e rainhas pretos, suas igrejas tão belas, de santos pretos, de padres pretos e nas quais branco não entrava, "desalienava" os escravos, restabelecendo-lhes a harmonia íntima e a propriedade de sua alma. E notemos bem: havia eleições nas irmandades e eram disputadas.

No século XIX decaiu o ouro, mas na periferia (zona da Mata, Sul de Minas...) os cafezais fizeram renascer a prosperidade mineira. A fazenda de café, porém, não matou as cidades. Não somente as velhas cidades do ciclo do ouro permaneciam de pé, algumas decadentes, outras não, como novas surgiram, por aí, nos entroncamentos de estradas, para fazer chegar às fazendas os progressos da civilização. O café, transportado em tropas, andava muito antes de chegar a seu destino. E as cidades serviam de pouso, com sobradões de rancho à frente, e os comerciantes compravam o café e revendiam produtos industriais. Este gênero de comércio, convém lembrar, funcionou em Minas até o segundo quartel do século XX — os tropeiros, nos pontos finais de estradas de ferro e outros lugares igualmente "estratégicos", deixavam a sua mercadoria e apanhavam artigos de importação. Isto fez a prosperidade de muitas cidades mineiras.

Quando na segunda metade do século XIX as estradas de ferro começaram a ser abertas, elas seguiram, em geral, os velhos caminhos. Basta um exemplo: a Central do Brasil seguia exatamente o trajeto do "caminho novo" do guarda-mor Garcia Rodrigues Pais. Quando o senhor D. Pedro II inaugurou a estação ferroviária de Ouro Preto, no ocaso de seu reinado, um século exatamente depois da tragédia da Inconfidência, ele percorreu de trem o mesmo itinerário que os governadores, os frades, os soldados, os contrabandistas, os romeiros do ciclo do ouro.

Esta população acentuadamente urbana — a presença de um comércio (que pode ser facilmente identificado pelo número de "lojas", nas casas das cidades ditas "coloniais"), uma tradição de atividade política, ou de serviço del-rei, que, afinal, era também fazer política, numa região onde o Estado, seja o Leviatã meio barroco dos senhores reis de Portugal, seja a "Democracia Coroada", era algo de muito próximo, onde o

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