Cartas ao irmão

de toda a sua substância própria. Não é significativo que os Papas, condenando o liberalismo, justificassem a sua posição em defesa da autoridade? Como poderia ser obedecido um governante que tivesse seu poder da fonte popular?

A ideia de um tirano eleito pelo sufrágio universal, exigindo o poder eleito as mesmas defesas e precauções que o poder hereditário, como lembra Alain, o teórico do radicalismo francês, eis o que pareceria absurdo aos homens do século passado. E os que defendiam a autoridade da Coroa, faziam-no por uma questão de conservadorismo: eram homens que amavam e respeitavam a autoridade, e portanto queriam-na forte e consolidada...

Nem sempre, todavia, é fácil depor um rei — há forças que o apoiam. Mais ainda: um instinto de prudência, o perigo de anarquia, eis o que mantinha muitas vezes o liberal às portas do ideal republicano, sem coragem de abri-las. Admitia-se geralmente — e os antiliberais como Veuillot tinham consciência disto — que a monarquia parlamentar era uma espécie de domesticação da realeza, um aprisionamento do monstro, uma como que emasculação política do rei, numa fase de transição para a república. Mesmo na Inglaterra convém lembrar que a presença de um sentimento antimonárquico era muito forte; havia, como lembra Kingsley Martin em ensaio recente, violento republicanismo na era vitoriana e todos tinham como certa a proclamação da república tão logo fechasse os olhos aquela que já se dizia ser a última soberana da Inglaterra. Ora, o que se viu foi a monarquia parlamentar, onde funcionou consolidar a monarquia, "inutilizar a república", na fórmula justa de Ouro Preto.

Podemos, resumidamente, fixar a posição dos liberais que admitiam a monarquia parlamentar como sendo a seguinte: em certos países, por uma situação de fato, um "acidente", diria Rui, havia um rei. Por si, a entrega do poder a um soberano hereditário era, obviamente, um expediente funesto. Mas, acontece que, se este rei governar com um gabinete composto de ministros responsáveis perante a câmara dos deputados, e retirados dela, o problema estará resolvido... O rei, assim, não poderia fazer mal algum... Quer dizer: admitia-se a realeza,

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