porque estão todos à vista uns dos outros, sem repartimento nem divisão. E como a gente é muita, costumam ter fogo de dia e noite, verão e inverno, porque o fogo é sua roupa, e eles são mui coitados sem fogo. Parece a casa um inferno ou labirinto, uns cantam, outros choram, outros comem, outros fazem farinhas e vinhos, etc. e toda a casa arde em fogos, porém é tanta a conformidade entre eles, que em todo o ano não há uma peleja, e com não terem nada fechado, não há furtos; se fora outra qualquer nação, não poderiam viver da maneira que vivem sem muitos queixumes, desgostos, e ainda mortes, o que se não acha entre eles. Este costume das casas guardam também agora depois de cristãos. Em cada oca destas há sempre um principal a que têm alguma maneira de obediência (ainda que haja outros mais somenos). Este exorta a fazerem suas roças e mais serviços, etc., excita-os à guerra, e lhe têm em tudo respeito; faz-lhes estas exportações por modo de pregação, começa de madrugada deitado na rede por espaço de meia hora, em amanhecendo se levanta, e corre toda a aldeia continuando sua pregação, a qual faz em voz alta, mui pausada, repetindo muitas vezes as palavras. Entre estes seus principais ou pregadores, há alguns velhos antigos de grande nome e autoridade entre eles, que têm fama por todo o sertão, 300 e 400 léguas, e mais. Estimam tanto um bom língua que lhe chamam o senhor da fala. Em sua mão tem a morte e a vida, e os levará por onde quiser sem contradição. Quando querem experimentar um e saber se é grande língua, ajuntam-se muitos para ver se o podem cansar, falando toda a noite em peso com ele, e às vezes dois, três dias, sem se enfadarem.