Euclides da Cunha a seus amigos

Fiz como me aconselhou o grande tribuno campineiro e, à noite, Euclides tornou apaziguado, com o rolo, mas muito reduzido; um capítulo apenas.

Leu-mo em voz pausada, monótona, lançando, de vez em vez, d'esguelha, um olhar escabriado ao pote. E eu, para não perturbá-lo, privei-me do cigarro enquanto durou a leitura.

Terminada que foi, enrolou as páginas, amarrou-as e, indo e vindo ao longo da saleta, pôs-se a falar do sertão e do sertanejo, envolvendo no mesmo espanto o meio e o homem: a terra maninha e adusta, atascada em ipueras, cadáveres de lagoas, armada de cardos, juremas e mandacarus, espinhais e agaves em panóplias de aspatas serrilhadas, ardendo em moutas cáusticas de urtigas, com estridor perene nas caatingas do chocalhar raivoso das cascavéis.

Cota que largueza de traços ele desenhava a imensidão deserta, ora rasa, em planura amarelenta e seca na qual avultam rochedos nus, disseminados, semelhantes, à distância, um rebanho prófugo de elefantes, ora eriçada em alcantis, espigada em penhascos arestosos, vertebrada em muralhas escalonadas, a um só lado ou aos dois, em paralelas, apertando desfiladeiros e tudo, terra e rochas, ardendo a um sol implacável, sol de flagelo, diante do qual tremem, em vibrações elétricas, o ar, o solo, a macega, o penedio e os olhos, por vezes, instantaneamente, escurecem em cegueira queimados pela fulguração".

Euclides da Cunha a seus amigos - Página 35 - Thumb Visualização
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