Euclides da Cunha a seus amigos

O sono desertou-lhe. Vagava entre amigos e inimigos com o coração carregado de suspeitas e pavores. De tudo desconfiava; os íntimos já não lhe inspiravam inteira segurança; e acabou por julgar-se vigiado. Era o supremo espasmo que atacava a sensibilidade do seu caráter.

O Marechal — e ele bem o sabia — era muito concreto na lógica de que usava. Conhecia as paixões humanas e, de preferência, tomava medidas contra os sentimentos paralisando-os antes de agredir os indivíduos intoxicados pela reação. Caso houve em que ele demitiu um pai simplesmente porque na Armada revoltada tinha um filho exercendo posto como comandante. Era o meio lógico de salvar o pai das indiscrições do amor paterno.

Certo desta feição do Marechal, Euclides da Cunha dirigiu-se ao Itamarati. Agitadíssimo, aproximou-se de Floriano e pediu-lhe permissão para interpelá-lo.

— O Marechal — é o próprio Euclides quem fala — olhou-me sem proferir palavra, com aquele olhar frio e descansado, que todos sabiam de cor. Por baixo das pupilas, porém, lobriguei uma nuvem sinistra. Julguei-me perdido. Todavia, dando um empuxão ao último fragmento de energia que me restava, pronunciei-me. Disse-lhe o que corria pela cidade, e então acrescentei que reputava impossível viver mais uma hora sob a pressão daquele horror e de tão estranhas suspeitas. Não pense, Marechal, tornei eu com intimativa, que me apresento aqui como um vil postulante da vida de um sogro.

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