Euclides da Cunha a seus amigos

as escarpas dificílimas. A imaginação desse artista pairava sobre as vertentes das grandes montanhas ensombradas das florestas. Não lhe aprazia o uso do microscópio. Era-lhe mais coroável examinar um mosquito, um verme do alto de uma penedia pelo alcance do telescópio do que curvar-se sobre o telônio para contar os movimentos de um infecto elmintoide. A observação subia e o incensava como um perfume. Os fatos enchiam-lhe a retina dos olhos, sem que o quisesse; porque o seu espírito pertencia mais à raça dos Carlyle, dos Landor, dos Goethe, dos Ruskin, dos Michelet, a dos Schopenhauer, a dos Renan do que a dos Anatole France.

Havia algo de medieval no espírito de Euclides. A Renascença italiana, os Médici, Maquiavel, não o encantavam. Sua alma era pura demais, seu coração muito recatado para que admitisse o surto orgiático, as paixões carnais e a virtù dos Bórgias.

Se Euclides fosse japonês, a alma se lhe encheria da inflexibilidade do bushido. Como verdadeiro samurai, o autor dos Sertões trazia sobre o peito a espada longa e a espada curta; e com esta cortaria o fio da existência, desde que se lhe tornasse a vida impossível, sem desonra.

Um dia, tumultua-lhe o inferno na cabeça, e das regiões inferiores do instinto partiram brados sobrenaturais. Era a caverna das ansiedades, cantada pelo poeta persa, que se abria. Evadiram-se então os legionários

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