Raízes do Brasil

verdade, criações engenhosas do espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida, não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio.

E será legítimo, em todo caso, esse recurso ao passado em busca de um estímulo para melhor organização da sociedade? Não significaria, ao contrário, apenas um índice de nossa incapacidade de criar espontaneamente? As épocas realmente vivas nunca foram tradicionalistas por deliberação. A escolástica na Idade Média foi criadora porque foi atual. A hierarquia do pensamento subordinava-se a uma hierarquia cosmogônica. A coletividade dos homens na terra era uma simples parábola e espelhava palidamente a cidade de Deus. Assim, na filosofia tomista, os anjos que compõem as três ordens da primeira hierarquia, os Querubins, os Serafins e os Tronos, são equiparados aos homens que formam o entourage imediato de um monarca medieval: assistem o soberano no que ele realiza por si mesmo, são os seus primeiros-ministros e conselheiros. Os da segunda hierarquia, as Dominações, as Potências e as Virtudes são, em relação a Deus, aquilo que são para um rei os governadores por ele incumbidos da administração das diferentes províncias do reino. Finalmente, os da terceira hierarquia correspondem, na cidade temporal,

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