Os sertanejos que eu conheci

veste. Onde mora. Como adoece e se trata. Como se desloca. Um admirável compêndio de ecologia sertaneja. Passa, na segunda parte então, a observar e registrar a vida doméstica do homem do sertão. Sua instrução. Suas relações sociais. Sua religião e suas superstições. Seus contatos com os índios. Suas relações com a vida da nacionalidade. Suas lutas. Pois distingue nitidamente o sertanejo pacífico do jagunço. E entre esses anota ainda as distinções a fazer. Tudo isso visto de perto. Anotado dia a dia. Não como um simples estudioso, de caderno na mão, a tomar notas. E muito menos como um turista de passagem, ou como um esteta. Não se serviu do sertão. Procurou servi-lo, e ao seu povo, bom, puro, ordeiro, capaz, extremamente habilidoso e apenas abandonado, como o encontrou Euclides da Cunha. Viveu cinquenta anos no sertão, para o sertão, convivendo com o sertanejo, participando de suas dores e de suas alegrias. E, acima de tudo, amando-o. Este livro é uma obra de amor. E é por isso que tem tanta verdade, tanta beleza, tanta emoção. E tanta importância para o conhecimento de nossa civilização. Dessa civilização em planos tão diversos, em zonas culturais tão diferentes. E no entanto tão unidas entre si. Tão capazes de criar realmente urn humanismo brasileiro, que terá alguma coisa a dizer ao mundo moderno, tão arriscado a se desumanizar pela mecanização do Homem.

Seria errado, porém, julgar que Frei José Audrin — esse benemérito missionário que hoje acaba os seus dias, como Frei Sala os terminou, evocando diariamente o seu Brasil, pelo qual deram o melhor de sua vida, — escreveu um livro nostálgico ou pessimista. Muito menos formulando o desejo de conservar o sertão imune à civilização dos tempos modernos, como Aldous Huxley sugere, para alguma região do México, onde o "brave new world" guardaria em uma espécie de parque zoológico, a amostra do homem de hoje, para divertimento do homem de amanhã. Como nós guardamos animais de espécies em vias de desaparecer, como os bisões e daqui a pouco os elefantes, hipopótamos ou baleias, resíduos de uma fauna em vias de sumir da face da Terra.

Esse admirável missionário —, que viu com tanta inteligência e descreveu com tanta graça, esse homem

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