Os sertanejos que eu conheci

do outro lado do progresso, essa terrível arma de dois gumes. O bom missionário, como bom francês que nunca deixou de ser no fundo do seu profundo abrasileiramento sertanejo, segue a máxima popular dos seus paisanos: "Quand mon ami est borgne, je le regarde de côté." Máxima que, sem ser francês, há muito adoto, com excelentes resultados, para meu uso particular...

Tudo pode mudar, mas a natureza do sertão não mudará. "Apesar de tantas transformações, permanece inalterada a grandiosa, pujante e belíssima natureza daqueles abençoados recantos do Brasil. Tudo o que neles admiraram os antepassados, pode ser contemplado ainda hoje, e as futuras gerações, por sua vez, hão de experimentar, um dia, o mesmo entusiasmo."

Como é bom sentir essa pureza de alma, essa virgindade de espírito, num velho missionário que por cinquenta anos experimentou de perto a vida dura de nossos sertões, sem jamais perder a sua juventude de alma!

E no entanto, não se limita a conservar-se jovem de espírito. Mantém-se lúcido. E dá, aos seus irmãos do Planalto Central, os conselhos que precisam ouvir.

"Dizemos, pois, aos filhos dos sertanejos: não vos deixeis seduzir pela miragem das grandes cidades; conservai-vos fiéis aos vossos rincões. Com o advento infalível e próximo dos progressos com que vossos pais nunca contaram, serão utilizados os vossos dotes físicos e vossas qualidades morais."

É a voz do próprio bom senso. Todo o livro é, assim, marcado pelo espírito de equilíbrio e de sinceridade, que junto aos altos dotes de observação, à longa experiência do autor e ao modo agradável e correntio com que escreve, fazem desta obra um inapreciável documento sobre o nosso país.

É um livro tão humano que Georges Bernanos leria com delícia, com o mesmo encanto com que leu a Minha Vida de Menina de Helena Morley.

Rio, novembro de 1962.

Os sertanejos que eu conheci - Apresentação 14 - Thumb Visualização
Formato
Texto