Os sertanejos que eu conheci

relatar depois, em narrativas fiéis, ricas de detalhes preciosos, sumamente pitorescas e instrutivas.

Ora, tudo o que nesses relatórios nos encanta, tudo o que nos revelam da fisionomia e costumes antigos, mantém-se intato em afastados rincões, ainda não atingidos pela moderna civilização.

O genial sertanista que foi Couto de Magalhães parece ter-se iludido quando, sob o influxo dos seus sonhos de progresso, concluía a narração de suas viagens pelas margens e sertões do Araguaia prevenindo o leitor que, ao cabo de cinquenta anos, tudo estaria transformado por lá. Dificilmente, acrescentava ele, os vindouros encontrariam onças, emas, pirarucus e tartarugas...

Entretanto, setenta e mais anos decorreram e, nas beiras do Rio Araguaia, fauna e flora conservam-se idênticas; não se mudaram os sítios e costumes populares. Com os mesmos sistemas e instrumentos primitivos os sertanejos pescam em ribeirões e lagos, caçam nas campinas e florestas, constroem os mesmos tugúrios. Trilham as mesmas estradas e servem-se dos mesmos meios de transporte e cultura, tais como existiam antes da Guerra do Paraguai.

Subsistem ainda, inalterados, os costumes populares observados no início do século XIX, pelo inglês Foster, nas províncias nordestinas. As caminhadas por chapadões e tabuleiros seguem fielmente os trilhos incertos por onde passara Auguste de Saint-Hilaire; vimos ainda em pé, num arraial do Norte, a casa de taipa e adobes em que Castelnau descansou algumas semanas, ocupado em revistar coleções e apontamentos.

As viagens pelos rios da Bacia Amazônica e seus afluentes, com seus barcos incômodos, seus pobres toldos de palmeiras, seus tipos de remeiros e pilotos, seus enjoos e perigos, fazem-nos pensar nas penosas jornadas de Hercules Florence, seguindo pelo Tietê de São Paulo a Cuiabá. Nós também, quantas vezes, enfrentamos cachoeiras e travessões, lutamos em pedrais e rebojos do Tocantins e do Araguaia, como faziam, no século XVI, os missionários jesuítas, vindos de Belém em visitas às aldeias carajás e caiapós. Conhecemos de visu pousos e acampamentos, arreios e cangalhas, buritizais, canaviais e engenhos, em tudo semelhantes aos que vemos pintados nos quadros do Museu do Ipiranga, segundo os croquis originais de Rugendas, Florence, Benício Duarte e outros.

Numa palavra, os sertões de hoje, por onde andamos, aparecem-nos como um vasto mostruário, ou antes, como um relicário nacional, que conserva intato um Brasil de outrora, aquele

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