O Governo Castelo Branco

que enfrentou, mas também sentir o homem a quem, em que pese à aparência distante, fria, jamais faltava calorosa afetividade. Era-lhe inseparável uma nota de grandeza, certamente traço primacial do seu caráter. Fossem quais fossem as circunstâncias, nele não se surpreenderia algo de mesquinho. Leal com os companheiros, corajoso e prudente nas decisões, destemido ante o perigo, franco com os amigos, tinha o espírito vigilante, atento aos grandes e aos pequenos acontecimentos, certo talvez da impossibilidade de se distinguir de antemão, na complexidade do Governo, o que será mais ou menos importante face ao julgamento da História.

Não lhe importava o peso das responsabilidades, que sempre se recusou a repartir com os auxiliares, por mais presentes que houvessem sido numa decisão. Das múltiplas facetas em que se desdobra a sua vigorosa personalidade, poucas tão marcantes quanto a bravura de se manter sobranceiro ante a impopularidade. Virtude sem a qual não teria levado a bom termo a ciclópica obra empreendida. A menor fraqueza, a mais leve concessão, qualquer vacilação teria feito malograr muito do que se fizera com árduos sacrifícios. Ele possuía, porém, a convicção de lhe caber enfrentar e suportar as agruras de um "governo de entressafra", isto é, um duro período de semear sem colher. E nada o demoveria do que tinha como a missão a ele confiada pela Revolução. A colheita seria de outros.

Frequentemente Castelo aceitou os caminhos mais ásperos, mas que acreditou os melhores para o país. Percorreu-os corajosamente, pois dir-se-ia que, acima de tudo, o inspirava o ideal de reformar. O espírito do incansável reformador que o Governo revelaria ao país. De algum modo o destino como que o preparara sutilmente para a ingente tarefa de transformar o Brasil. Nem lhe passara despercebido, no momento em que declinavam as labaredas da Segunda Grande Guerra, que do terrível conflito emergiria uma nova sociedade, mais humana e mais justa. De maio de 1945 são estas observações que da Itália enviou à esposa: "Tenho a impressão - dizia - de que a riqueza ancorou numa determinada camada (da sociedade): um grupo do governo que faz traficâncias entre o seu bloco e o tesouro público, e um bloco, principalmente da grande indústria e do grande comércio que explora o pobre consumidor. É a comédia no alto e o drama de quem está embaixo. Esta guerra vai revolver tudo isto, subverter todas estas cousas. Eu tenho muito que lhe contar a respeito da ebulição de ideias que se sentia em meio dos combatentes de muitos países. É impossível que de tamanha hecatombe não saia mais uma grande revolução de ideias e que daí venha uma evolução social mais humana, mais cristã, menos dura para os pequenos, limitando o mais possível a exploração de um homem por outro. É o que estou vendo na fogueira que ainda não se apagou." Era profético,

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