Escravidão Negra em São Paulo

Um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX

caso das relações entre senhor e escravo a situação é diferente. Aqui já deixam de existir os mesmos estorvos ao exercício da crueldade pela simples razão de que não há interesses comuns que possam irmanar um ao outro. O escravo não pertence à família.

Para concluir lembrarei que há 30 anos e mais, resenhando os estudos africanistas que então se faziam entre nós, referi-me à tendência corrente para encarar-se o papel do negro sobretudo pelo que oferecesse de pitoresco, anedótico, folclórico e, em outras palavras, por tudo quanto parecesse ter o sabor e o encanto do exótico. Fazia questão de frisar na resenha, que depois reuni com algumas outras em volume, na esperança de insuflar-lhes vida menos efêmera do que na imprensa diária onde primeiramente saíram, que não me pareciam, aliás, inteiramente desprezíveis aqueles aspectos, mas pensava que seu enfoque exclusivo ou quase resultava numa variante disfarçada do modo tradicional de se considerarem as questões relacionadas com o negro, e em última análise com o escravo, que consistia em fazer por esquecê-la ou ignorá-la. Desde o momento em que a influência deles deixou de ser inconfessável para se tornar apenas interessante, afastamo-lo naturalmente de nós, sem truculência e sem humilhação, mas com uma curiosidade erudita e sobranceira. Encarado com curiosidade científica ou festiva, em suas danças, suas superstições, sua religiosidade, seus costumes civis ou domésticos, o preto podia ser ostentado até vaidosamente a estrangeiros. Era um modo de procurar mostrar que nós também éramos diferentes dele. Mas considerando o caso em seus verdadeiros e obscuros motivos, não haveria aqui a recusa a considerá-lo no que ele realmente é para nós, para a nossa nacionalidade e para toda a nossa cultura mais ou menos branca. E para finalizar, dizia: "A limitação que a meu ver encerra esse interesse recente pelos estudos em torno do negro brasileiro vem do fato de encararem a questão, não como problema, mas antes como espetáculo." Hoje pode dizer-se que essa limitação foi em boa parte superada por obra de alguns autores, no campo da sociologia e no da história. Com a publicação deste livro a Professora Reis de Queiroz tem um lugar de realce assegurado entre esses autores.

Escravidão Negra em São Paulo - Prefácio 18 - Thumb Visualização
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