marcas tão fundas como em outras províncias brasileiras; situa-se bem na linha revisionista dos estudos afro-brasileiros iniciados no Brasil, a bem dizer, com os trabalhos sociológicos de Roger Bastide e Florestan Fernandes e, no campo da história, com o estudo de Emília Viotti da Costa sobre a escravidão. A mesma tendência revisionista desenvolveu-se paralelamente em outros países e sobretudo no mundo anglo-saxão, em grande parte numa reação contra as teses de Freyre e Tannenbaum. Frequentemente plácida e bem documentada, como se pode verificar à leitura de Charles Wagley, C. R. Boxer, David B. Davis, a polêmica nesse sentido pode assumir ocasionalmente um timbre áspero, e é o caso dos trabalhos de Marvin Harris, cuja agressividade nem sempre o ajuda a tornar mais convincentes suas boas razões. A propósito do mesmo Harris, que se diz materialista, o historiador Eugene D. Genovese, que se diz marxista — o que não o impede de secundar as posições mais conservadoras de Gilberto Freyre —, é levado a pensar em pessoas que "confundem zelo ideológico com maus modos".
No livro que se vai ler, um dos passos que, em minha opinião, merece algum reparo é aquele onde se sugere uma aproximação entre o mito do senhor benigno e a ideia insistente de que o Brasil se distinguiria por sua história incruenta. Em primeiro lugar a discussão sobre se tal ou qual país teve ou não uma história cruenta já é por si o que pode haver de mais estéril, e pertence, além disso, ao reino dos falsos problemas, que mais servem para turvar do que para clarear a inteligência do passado. De todas as histórias nacionais pode ser dito que são cruentas e a do Brasil naturalmente não forma exceção. E pretender que o tenha sido — a do Brasil — em menor ou maior grau do que as de outros povos, já é matéria dependente de critérios de mensuração e naturalmente de termos de comparação, que até o momento ainda não se descobriram. Nem cabe afirmar que à índole pacata ou à bondade inata de um povo se deva o ter ele atravessado de modo relativamente pacífico certas crises ou transformações que às vezes se revestem, no restante da humanidade, de extremos de crueza, pois sempre haverá alguém, mais pessimista, para chamar de apatia, por exemplo, ao que os mais complacentes chamam de bondade. O menos que se pode dizer de tais qualificativos é que provêm de juízos éticos, quando não de efusões sentimentais, totalmente estranhos ao ofício de historiador. Em segundo lugar, o que em tais debates se quer dissimular, turvando nossa visão histórica, é o fato, este verificável, de ser a camada realmente atuante na vida pública brasileira demasiado rala, e isso faz com que mesmo para as mais graves crises, existam, como existem não raro em brigas de família, soluções que prescindem da violência ou de manifestações cruentas muito ostensivas ou públicas (é evidente que nem sempre são evitáveis as manifestações mais encobertas, mas o próprio empenho em deixá-las encobertas não confirma o que foi dito?). No