Gaúchos e beduínos

A origem étnica e a formação social do Rio Grande do Sul

homem em estado natural permanece indene das grandes torturas criadas pela imaginação, e seu estoicismo emana desta virtude fundamental: o desapego à vida. Diz o curioso viajante de Noticia Descriptiva da Província de São Pedro do Sul que "a coragem do rio-grandense é fria e perseverante. Acostumado desde a infância a ver correr o sangue, a morte com suas hediondas formas e a cada passo reproduzindo-se a seus olhos, já não lhe pode causar espanto, assim como também a vida parece ter perdido alguma cousa de seu preço."

Pelas mesmas razões que Keyserling negou ao espanhol, há de negar-se ao gaúcho a qualificação de cruel. Como o espanhol e seu ascendente berbere, o gaúcho apenas afirma com a vida — a morte.

Do paralelo procurado, entre o homem do deserto da Arábia e o homem do verde deserto do pampa, fica a conclusão que a história prestigia: a partida, um dia, dos berberes de Maraghat, das margens do Nilo para os altiplanos de Espanha e o litoral português; a partida dos maragatos, das montanhas da Europa para as terras selvagens da América; o domínio espanhol nos plainos comuns da nossa fronteira, por quase dois séculos, e a tradição de hábitos e costumes que foram familiares a ambas as raças. Poder-se-ia generalizar, quanto ao gaúcho, as conclusões a que chegou, na Argentina, José Ortega y Gasset: "vive entregue, hoje, não a uma realidade, senão a uma imagem. E uma imagem não se pode viver senão contemplando-a. O gaúcho está se revendo sempre, refletido na própria imaginação. É sobremaneira um Narciso. O Narciso

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