se contariam apenas entre cabeleireiros, alfaiates, perfumistas, dentistas e "damas do Palais-Royal", e suas lojas seriam apenas de "modas e nouveautés", ao passo que os ingleses estariam representados por "capitais muito fortes", isto é, por um comércio em grosso de artigos substanciais. Estava Evaristo respondendo a artigos de um francês ou afrancesado, aparecidos num jornal do tempo, acerca de costumes brasileiros. A França não influiu em nossa gente tão somente por suas modas femininas, suas cocottes, seus perfumes: influiu por suas ideias, suas doutrinas políticas, seus poetas, seus livros; influiu pelo extraordinário, universal prestígio de sua Revolução; e debaixo desse ponto de vista deixou à distância a Inglaterra.
Mas isso não quer dizer que a influência inglesa não tenha sido, sob múltiplos aspectos, de maior importância; que não tenha significado, como acentua Gilberto Freyre, uma invasão, uma quase revolução, uma "alteração tão dramática no ambiente das cidades", que lembra a mudança de cenário nos teatros — pela rápida substituição de hábitos e estilos de vida, de alimentação, de higiene, de vestuário, de transporte e de divertimento. Influência inglesa que levou os políticos do Império — particularmente do Segundo Reinado — a terem os olhos bovaristicamente voltados para a Câmara dos Comuns, para o sistema de governo de gabinete, que não fora consagrado pela Constituição de 1824, diploma impregnado de fundos ressaibos franceses. Influência inglesa que se atritava com o aferro da classe dominante ao trabalho escravo e ao tráfico do negro, o que não impedia o recurso reiterado aos banqueiros de Londres para os empréstimos de que nos dá notícia a nossa lamentável história financeira.
Julien Benda aponta como uma das caraterísticas do ensaio a ausência do peremptório. Este livro é, repita-se, um ensaio da melhor qualidade: nenhuma suficiência escolástica; nenhum pedantismo; as interpretações sugeridas vista do material nuamente exposto aos olhos do leitor. Por isso, é um grande livro — o livro de um mestre.
Rio, outubro, 1947.
OCTAVIO TARQUINIO DE SOUSA