a velha opinião de que a terra do Brasil, onde a gente morre só de velhice, não de doenças que são contrárias à sua natureza, seria verdadeiramente um milagre de salubridade e temperança.
Para a obstinação com que se sustenta essa crença entre homens que parecem tantas vezes praticar aquelas sábias lições del-Rei Dom Duarte, onde, em seu Leal Conselheiro, escreve que é mister deixar de seguir "sinais, sonhos, nem topos de vontade'', não seria talvez descabido buscar uma explicação plausível e fundada na experiência. Na experiência dos próprios marinheiros lusitanos que, buscando na carreira da Índia algum caminho seguro e cômodo, ou tangidos pelas correntes, iam dar, a exemplo de Cabral, nas costas brasileiras.
Sabendo-se que a partida das frotas de Lisboa para a Índia ocorria, de ordinário, em meados do mês de março, no máximo até abril - embora neste caso com o risco de irem alcançar Melinde somente depois de julho, quer dizer depois da época das monções propícias -, sucedia quase sempre que as escalas ocasionais em terras sul-americanas se faziam geralmente quando o calor era aqui menos intenso. Outro tanto deveria acontecer durante as viagens de regresso do Oriente pois que, nestes casos, as embarcações, deixando Cochim pela segunda metade de janeiro, isto é no auge do verão, vinham encontrar aqui uma temperatura relativamente suave e restauradora.
Como essas escalas, forçadas ou não, seriam provavelmente bem mais frequentes do que o fazem supor os textos oficiais guardados até aos nossos dias, e como o Oriente, durante o século XVI, jamais deixara de ser o paradeiro principal dos que deixavam o Reino à cata de fáceis riquezas, é de crer que as notícias disseminadas sobre estas terras proviessem então, em grande parte, de narrativas de marinheiros que as conhecessem daquelas breves estadas, quando tudo se juntava, muitas vezes, para apresentar seu clima sob as mais lisonjeiras aparências.
Ainda em fins do século XVI, o trânsito pela costa do Brasil das naus da carreira da Índia não seria coisa excepcional. Ao menos em um caso, temos, a esse respeito, informações precisas, por intermédio do florentino Filipe Sassetti. Este, que afagara longamente o propósito de conhecer o longínquo Oriente, julgara finalmente, em 1581, estando em Lisboa, encontrar a ocasião de realizar o velho sonho. Frustrou-se, no entanto, essa primeira oportunidade, pois a frota que o deveria levar, tendo largado a barra quando passara o momento próprio para tais viagens, não logrou escapar às correntes que a arrastaram até aos Abrolhos, de onde só dificilmente lhe seria dado alcançar o Índico no período das monções favoráveis, e assim tornou a Lisboa.