Visão do paraíso

Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

Que melhor esperança poderiam acalentar os soldados de uma nova e ambiciosa milícia?

Sucede, no entanto, que mal passado esse encantamento inaugural, a serena confiança parece mudar-se, entre eles, numa espécie de obstinação desencantada. Já se afirmou que, embora acabassem por elaborar teorias mais sutis, os espanhóis, que estiveram nas Índias durante o primeiro século da conquista, tenderam a ver os índios sob o aspeto, ora de nobles salvajes, ora de perros cochinos.(30) Nota do Autor Seria sumamente artificial pretender discernir no Brasil, durante o período correspondente ou mesmo mais tarde, uma divisão semelhante de opiniões. E, se desses extremados juízos algum tivesse probabilidades de reunir entre nós maior número de adeptos, seria aparentemente o segundo e mais desprimoroso para com os indígenas. Pode-se seguramente afirmar, à vista dos documentos disponíveis, que ninguém, e o missionário ainda menos, talvez, do que o colono, se inclinaria de algum modo a nobilitá-los.

Dos primeiros jesuítas, há pouco exagero em dizer-se que sua opinião sobre os índios da terra acha-se bem expressa nas palavras do Irmão Mateus Nogueira, um dos interlocutores do Diálogo Sôbre a Conversão do Gentio, composto pelo Padre Nóbrega. É para ele que os mesmos índios "são cãis em se comerem e matarem, e são porcos nos vicios e na maneira de se tratarem, e esta deve ser a rezão porque alguns Padres que do Rreino vierão, os vejo resfriados, porque vinhão cuidando de converter a todo brasil em huma hora, e vem-se que não podem converter hum em hum anno por sua rudeza e bestialidade".(31) Nota do Autor É certo que o mesmo irmão se mostrará, ao cabo, mais comedido em seu parecer, lembrado de que Santiago, ao que constava, apesar de ter andado por toda a Espanha e saber muito bem a língua da terra e ter grande caridade, não conseguira fazer mais que nove discípulos.

Consente, já agora, em admitir de alguns dos gentios catequizados que mostraram afinal claros sinais de fé no coração. Mas já desapareceu de todo aquela primeira e auspiciosa lembrança do "papel branco", onde tudo se pode escrever. A comparação que lhe sugerem, quando muito, é a do ferro frio, o qual, se Deus quiser meter na forja, se hão de converter. É como quem dissesse que Deus tão-somente, que pode o impossível, transformaria aqueles alarves em crentes verdadeiros e constantes. Assim fica justificada a obra da catequese, sem prejuízo da má opinião que merecem os mesmos gentios.

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