Mesmo as sutis teorias de que fala Lewis Hanke, aquelas teorias principalmente a que chegaram os castelhanos, por obra de seus teólogos, sobre a condição jurídica dos índios da América, não parecem ter inquietado vivamente os portugueses. E isto é explicável, ao menos no tocante ao Brasil, quando se considere que toda a construção teórica onde veio a assentar finalmente o problema da liberdade dos índios já se achava elaborada, em sua essência, formulada pelos teólogos castelhanos, quando se iniciou regularmente a colonização do Brasil. Francisco de Vitória, um dos fundadores do Direito Internacional e o grande responsável por aquela construção teórica, porque os outros que continuaram sua obra, inclusive Domingo de Soto e Melchior Cano, foram, como já se tem dito, galhos da árvore de Vitória, já não pertencia a este mundo na ocasião em que o governo português decidiu intervir diretamente nos negócios da colônia, instituindo o governo-geral.
Ainda mais: desde 1537 a própria Santa Sé havia proibido, sob pena de excomunhão, que se tolhesse a liberdade dos índios, inclusive a liberdade de se manterem fora do grêmio da Igreja. E nada prova melhor o pleno assentimento de Sua Santidade o Papa Paulo III à campanha dos que, em Castela e nas Índias de Castela, se batiam por essa liberdade, do que seu ato nomeando, em 1543, Frei Bartolomeu de Las Casas, Bispo de Chiapa.
Pode imaginar-se que aquelas ordens e cominações fossem rigorosamente respeitadas? Não havia de faltar quem comentasse ironicamente o zelo que assim demonstrava o Santo Padre pela causa dos naturais de terras tão remotas e bárbaras, quando lhe faltavam forças, ali na Itália, na própria Roma, para impedir que prosseguisse no seu Pontificado, e continuaria ainda depois dele, o tráfico e cativeiro de infiéis.(32) Nota do Autor Sabe-se, por outro lado, que nas possessões ultramarinas sempre valera o obedezcase, pero no se cumpla, e isso era tão verdadeiro das colônias lusitanas quanto o era, notoriamente, das castelhanas.
Os portugueses, e em particular a Coroa portuguesa, tinham outras razões mais poderosas para que não os perturbassem muito aqueles decretos, eles não feriam, de fato, os interesses da mesma Coroa, associados de longa data ao tráfico de negros africanos. O próprio Vitória não tivera dúvidas em poupar esses interesses quando, em carta a Frei Bernardino de Vique, pretendera que ao Rei de Portugal assistiam razões para permitir aquele negócio.
Assim, por exemplo, no caso em que se originasse de guerras entre as tribos, o cativeiro era perfeitamente lícito, e