humilham e sujeitam".(39) Nota do Autor O remédio era, pois, domá-los por temor e sujeição.
Nem mesmo Anchieta que, formado em Portugal e vivendo entre portugueses do Brasil, deveria estar em boas condições para manifestar o pensamento de seus confrades, chegará a dissentir dessa opinião. É conhecido aquele passo de uma carta sua de 1563 onde, mostrando-se igualmente partidário da sujeição dos índios, ajunta que não vê outro remédio senão este: "porque", diz, "para este gênero de gentes não há melhor pregação do que espada e vara de ferro, na qual mais do que em nenhuma outra é necessário o compelle eos intrare".(40) Nota do Autor
Ainda mais expressiva da opinião desdenhosa que lhe infundia a obstinação dos índios em seguir os ritos gentílicos é a passagem, só ultimamente publicada, de uma carta de 1555, onde se compara mais ou menos a um veterinário, pela necessidade em que se achou de tratar das doenças dos índios. Nesse trecho, depois de referir como, por se ter ido o Irmão Gregório Serrão, que exercia tais funções, passara ele, Anchieta, a servir de médico e sangrador, acrescenta que ficou incumbido de "deitar imprastos, alevantar espinhelas, e outros ofícios de albeitar, que eram necessários para aqueles cavalos, isto é aos Índios.(41) Nota do Autor Dificilmente algum dos partidários daquela teoria, de que os antigos americanos se assemelhavam em tudo a brutos irracionais, encontraria expressão mais dura do que essa, do suave evangelizador das nossas selvas.
Não parece excessivo, pois, dizer-se de muitos dos antigos missionários do Brasil que, agindo embora à maneira de Frei Bartolomeu de Las Casas, deveriam parecer-se um pouco, no seu pensar, com Ginés de Sepúlveda, o acre opositor do Apóstolo das Índias e partidário do Compelle intrare até ao extremo da violência intolerante contra os bárbaros americanos. E é de crer que veriam no gentio muito mais o perro cochino do que o "bom selvagem".
A exaltação do índio só há de surgir, verdadeiramente, entre autores de língua portuguesa, e já então por efeito de influências estranhas e eruditas, no Brasil do século XVIII. De uma época em que, tendo cessado de corresponder para a maioria daqueles autores a uma realidade atual, já estava apto por isso, a converter-se em uma idealidade e em um símbolo: o símbolo de que se hão de valer depois os luso-brasileiros para se oporem aos portugueses da Europa.