XII
América Portuguesa e Índias de Castela
É POSSÍVEL, desta excursão já demorada à volta dos mitos geográficos difundidos na era dos grandes descobrimentos marítimos, tirarem-se conclusões válidas para um relance sobre a formação brasileira, especialmente durante o período colonial? Tentou-se mostrar, ao longo destas páginas, como os descobridores, povoadores, aventureiros o que muitas vezes vêm buscar, e, não raro, acabam encontrando, nas ilhas e terra firme do Mar Oceano, é uma espécie de cenário ideal, feito de suas experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais.
Os portugueses quinhentistas não formam certamente exceção a essa regra. Pode-se porém dizer, tendo por base sobretudo os depoimentos de seus cronistas e historiadores, quase os nossos únicos guias disponíveis para esta viagem, que é comparativamente reduzida, entre eles, no contato dos novos mundos, a sedução de tais motivos. Não os inquieta vivamente, ao menos no Brasil, a insopitável esperança de impossíveis que tão frequentemente acompanha, entre outros povos, as empresas de descobrimento e conquista para além das raias do mundo conhecido. São razões menos especulativas, em geral, ou fantásticas, do que propriamente pragmáticas, o que incessantemente inspira aqueles cronistas, ainda quando, em face do espetáculo novo, chegam a diluir-se em êxtases enamorados.
Contudo, pode ser ilusória a primeira impressão que sugere esse relativo desapego de certas formas e imagens tradicionais. A fisionomia "moderna" de sua monarquia prematuramente centralizada a animar, por sua vez, e a tornar possível a obra pioneira e verdadeiramente revolucionária de seus navegantes, não serviria para resguardar, em vez de dissipar, certos traços ainda antiquados da sociedade e da mentalidade portuguesas?
Aquela visão relativamente plácida das terras descobertas que se espelha nas descrições de seus viajantes, já se ressente, por menos que o pareça, de um conservantismo fundamental. Nas primeiras páginas deste livro pôde ela sugerir a lembrança dos artistas medievais e especialmente de fins da Idade Média, "atentos ao pormenor, ao episódico, avessos quase sempre a induções audazes" em contraste com o "idealismo, com a fantasia, e ainda