Visão do paraíso

Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

com o senso de unidade próprios dos renascentistas". Poderia recordar-se ainda o que disse um historiador moderno da curiosidade "terrena" que fornece aos historiadores da mesma época matéria para suas descrições miúdas, nítidas, animadas de extraordinário escrúpulo e fidelidade na reprodução dos fatos, e onde a adesão ao mundo sensível parece, ainda e sempre, de cunho antes sensitivo do que verdadeiramente conceitual, mais imediato do que reflexo, limitado por isso ao particular e ao anedótico.

É entre os historiadores e cronistas que Frederico Chabod vai buscar o exemplo mais preciso desse "realismo". Ao contrário do que se dará com o historiador renascentista, que este se compraz menos nos pequenos traços verísticos do que no conjunto do painel, o cronista medieval parece deter-se no pormenor, não raro de um vivaz colorido. O seu é um "verismo naturalístico, puramente descritivo, constante de fragmentos e falho, por assim dizer, de perspectiva; característico do cronista e, em verdade, do escritor medieval é precisamente o acúmulo de minúcias justapostas".(1) Nota do Autor

Parece difícil dizer até onde tal quadro se aplica à generalidade dos historiadores portugueses do século XVI, que prolongariam, nesse caso, uma tradição anterior e ainda viva entre sua gente; o assunto exigiria estudo especial que não cabe nestas páginas. Pode-se pretender, porém, sem exagero, que corresponde à totalidade dos historiadores ou cronistas lusitanos interessados nas coisas do Brasil durante a mesma época, mesmo aqueles cujo critério de observação nos pareça de uma objetividade e minuciosidade quase científicas. E não se cuide que isso é verdadeiro tão-somente dos autores quinhentistas. O que disse, por exemplo, Capistrano de Abreu do estilo de Frei Vicente do Salvador, quando compara suas frases a contas de rosário mecanicamente debulhadas, estende-se também à maneira de narrar os fatos própria do frade historiador. "Seu livro afinal", disse ainda quem mais pelejou por exumá-lo, "é uma coleção de documentos antes reduzidos que redigidos, mais histórias do Brasil do que História do Brasil".(2) Nota do Autor E Frei Vicente escrevia já no terceiro decênio do século XVII.

Ora, a persistência dessa maneira, ainda estreme da influência dos modelos humanísticos, em quem já escreve, todavia, na era do barroco, é tanto mais significativa quanto está bem longe de ser um caso individual. O que nela parece refletir-se é o modo

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