Visão do paraíso

Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

Que o próprio Cortez tinha plena consciência da novidade e valia exemplar de sua proeza, mostra-o claramente certa passagem de uma das cartas que dirigiu a Carlos V. "Vossa Alteza", escreve-lhe, com efeito, o conquistador da Nova Espanha, "bem poderia, de um modo novo, chamar-se imperador destas terras, com títulos e direitos em nada inferiores aos que Vossa Sacra Majestade pela Graça de Deus detém sobre a Alemanha." Citando esse trecho onde é de notar-se a separação que traça finamente o caudilho entre o Imperador "da Alemanha", a quem chama de Majestade, e o Rei de Castela, a quem se dirige como Alteza, segundo o uso geral naqueles tempos, e que só então irá desaparecer para o tratamento dos monarcas, não deixa de notar um historiador recente, como ele já parece apontar para a noção moderna de Império.

Carlos V não seguiria a sugestão do conquistador. Para ele, as Índias são mero instrumento de sua política europeia e mediterrânea, e ainda hoje é motivo de surpresa a parte exígua, quase insignificante, que, não obstante seus fabulosos tesouros, parece ter ocupado o Novo Mundo no pensamento do Imperador. É oportuno lembrar a esse propósito o que sucede com os seus célebres comentários que, impressos, enchem bem cinquenta páginas e onde ele procurou abordar o essencial dos acontecimentos e elementos de sua vida política até ao ano de 1550, quando essas páginas foram ditadas. Pois em tão larga resenha não se encontra uma palavra acerca das colônias de Castela ou, ao menos, sobre o ouro e a prata que delas chegavam continuamente a Sevilha.

Soa como um paradoxo este fato de que o fundador do império espanhol, no estilo moderno, e por muitos aspetos o verdadeiro iniciador do moderno colonialismo, dirigiu todos os esforços num sentido muito diferente e mesmo contrário àquilo que, sem o saber e, ainda mais, sem o querer, veio finalmente a realizar. Ao assinalar esse contraste, Rassow, que lembrara a carta de Cortez, observa como Carlos V tivera sempre em mira a ideia medieval de império: o Sacrum Imperium Romanum. Bem outro, no entanto, será seu legado. O que deixa é o moderno império espanhol.(6) Nota do Autor Não parece impossível que, já ao fim da vida, apartado e desencantado, mas não desatento dos negócios públicos, o Imperador chegasse a atinar, em seu retiro de Yuste, com o alcance de sua grande obra involuntária, mas nada confirma tal suspeita.

O fato é que, cinco anos apenas depois de sua morte, podia Filipe II exprimir a Pio IV o desejo de ver-se coroado

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