Visão do paraíso

Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

da atividade lusitana. O próprio Frei Francisco de Vitória, a cujos princípios teológicos e jurídicos, impregnados do pensamento escolástico da Idade Média, deveria repugnar a guerra dirigida pelos seus compatriotas aos naturais das Índias, não tem dúvidas em exaltar, a par do valor, as próprias vantagens que tiravam os portugueses de uma política situada nos antípodas da que inaugurara Cortez, seguido de perto pelos outros aventureiros espanhóis, na conquista da Nova Espanha.(10) Nota do Autor O simples estabelecimento, como o faziam os lusitanos, de entrepostos costeiros para a permuta com as tribos e reinos indígenas, sem preocupação de submeter largos territórios, parecia-lhe, ao dominicano, o recurso ideal, pois que permitia conciliarem-se com os preceitos celestes os proveitos terrenos.

Outros, no entanto, irão valer-se mais tarde dessas mesmas circunstâncias para contestar as pretensões dos portugueses ao monopólio sobre mares e terras distantes. O descobrimento alegado de alguns desses lugares não seria válido, a seu ver, nem do ponto de vista da razão natural, e nem segundo a interpretação de homens de considerável saber. Pois descobrimento, dirá Hugo Grotius, não consiste no perceber-se uma coisa com os olhos e sim no apoderar-se alguém dessa coisa efetivamente, conforme o mostrara o Imperador Gordiano em uma das suas cartas. E mesmo os filólogos vêm em apoio dessa opinião quando dão a expressão "descobrir" (invenire) como um sinônimo de "tomar posse de (occupare); é essa a lição do gramático latino Nonius Marcellus. Por outro lado, é ponto de vista corrente entre juristas consumados que só "descobrimos" de fato aquilo que tivermos adquirido (adepti); o contrário significaria a mesma coisa que abandonar (perdere).

Ora, dado que as maiores autoridades estão de acordo em que o descobrimento só pode criar títulos de domínio se acompanhado de posse, isto é, quando se trate de bens móveis, se estes foram apreendidos, ou, tratando-se de imóveis, se demarcados por meio de limites precisos e, guardados por força permanente, como se lê no próprio Digesto, cabe perguntar se os portugueses podem invocar esses títulos em favor das suas pretensões. De modo algum, responde Grotius. Nada dos requisitos apontados se aplicaria, com efeito às suas chamadas possessões das Índias Orientais, as únicas que no momento interessam imediatamente ao mestre da lei internacional, pois escreve em 1604 ou 1605, mais de quinze anos, por conseguinte, antes de fundar-se a

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