Singularidades da França Antártica

na sua Arte e Vocabulario de la Lengua Guarany (Madrid, 1640), a expressão pian como indígena. Von Martius, por sua vez (Reisen in Brasilien), recolheu e escreveu pynhã. Mas é difícil conceber-se como, sendo esse vocábulo de natureza tupi, houvesse escapado à argúcia dos pesquisadores holandeses. Guilherme Piso, que em todos os capítulos de sua Medicina Brasiliensis adotou as designações indígenas das doenças, das plantas, dos animais, etc., não mencionou o termo pian, fato que intrigou a Levacher. No vocabulário tupi-guarani de Marcgrave (Historia Naturalis Brasiliae) não se encontra igualmente a discutida palavra. Piso estudou a doença sob o rótulo de lues venerea, designação que, talvez na falta de um termo local mais apropriado, foi empregada para ressaltar a natureza transmissível da endemia pelo contato sexual. O médico de Leyde empregou a designação venérea, como aliás o fizeram muitos escritores do seu tempo, não no sentido mórbido restrito, mas na sua significação erótica.

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A curiosa expressão lues venerea, única, conforme salientamos, na vasta bibliografia das boubas, tem conduzido alguns estudiosos do assunto a justificadas confusões. Pirajá da Silva, na sua tradução recente ao livro de Von Martius (Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros), inclui uma versão portuguesa do trabalho de Piso sobre as boubas, nos comentários ao capítulo "Sífilis" do sábio alemão. E Angyone Costa, no seu ensaio citado, afirma que o holandês errou, do ponto de vista médico, reconhecendo a natureza sifilítica da bouba. Ora, o que mais impressionou aos tropicalistas franceses, que se ocuparam dos estudos clássicos de Piso, foi precisamente a exata diferenciação clínica que ele fez naquela época entre a bouba e a sífilis.

Escreveu Piso no seu célebre capítulo de Lues Venerea:

"Esta doença, aqui endêmica, é chamada pelos espanhóis e brasileiros bouba. E assim como se cura mais facilmente com aplicação de medicamentos comuns indígenas, mais facilmente também contamina do que a outra, vulgarmente chamada gálica, que se transportou aos habitantes da terra" (Medicina brasiliensis, Amsterdam, 1648).

Evidente a distinção entre lues venerae e mal gálico; entre a bouba peculiar aos índios e a sífilis trazida de fora pelo colono. George Marcgrave, na Historia Rerum Naturalium Brasiliae, publicada em conjunto com a obra de Piso, também faz distinção

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