Singularidades da França Antártica

o derivativo galicado ou engalicado (Fernando São Paulo — Linguagem Médica Popular no Brasil, 1936), que passou às gentes incultas, aplicando-se, ainda hoje, geralmente, aos portadores de males venéreos.

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Levacher ressaltou o espírito clarividente de Guilherme Piso, distinguindo a bouba da sífilis, numa época ainda nebulosa para a dermatologia. Mas o curioso é que os próprios índios faziam essa distinção e, graças a isso, talvez Jean de Léry não chegou a incorrer no erro de outros cronistas como Oviedo, Brandônio ou Évreux, que, levando em conta a natureza venérea das doenças, emprestaram às duas os sinais de uma só entidade. Léry, nesse ponto, foi também exato: "...os que são acometidos de boubas ficam com cicatrizes toda a vida, como acontece com os sifilíticos e portadores de cancros" (Histoire d'une voyage faict en la Terre du Brésil, 1578).

Os nossos indígenas tinham designações diferentes para os dois males e, segundo vários autores, entre eles Von Martius, os aborígenes responsabilizavam o povoador branco pela introdução da sífilis nas tribos.

A nossa história das boubas, como a da sífilis, — salientava há pouco Waldemir Miranda (A Bouba no Nordeste Brasileiro), tem sido uma constante fonte de discórdia. As duas treponemoses se confundem até sob o ponto de vista histórico.

Alguns escritores médicos autorizados, como Sigaud, Alphonse Rendu, Cruz Jobin, Gama Lobo e Silva Araújo, sustentaram a opinião de que não existia a bouba entre os aborígenes do Brasil, antes da descoberta, reforçando a convicção de que o mal fora transportado da África com os negros. Hoje, esse juízo não mais prevalece. Silva Lima (Nosologia das boubas, do Máculo e Dracontíase no Brasil, 1894) e, com ele, Plácido Barbosa, Cássio Rezende, Rodolpho Garcia, Angyone Costa e outros, já procuraram desfazer aquela afirmativa em favor da tese de existência do mal na América pré-colombiana. E, à vista dos novos e definitivos subsídios, que juntaram ao assunto os modernos pesquisadores da medicina pré-histórica sul-americana, ninguém mais, conscientemente, deixará de afirmar que a bouba esteve ligada à tragédia racial do tupi-guarani, como igualmente dos povos primitivos das Américas.

Já é tempo de situarmos o verdadeiro papel do africano na modificação do nosso primitivo quadro nosográfico. Em trabalho anterior (Os primeiros estudos de Medicina no Brasil), lembramos que não foi pequeno o contingente negro na aplicação do nosso vasto grupo de afecções parasitárias. Mas é certo que ainda se aponta ao

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