O Selvagem

trouxe-os para mostrar como, a par do cruzamento físico, a língua e a poesia popular sofreram a enérgica ação do contato dessa raça; se me fora dado entrar na análise das superstições populares do Brasil, o leitor veria que essa ação do cruzamento se revela em fatos morais muito mais extensamente do que a princípio parece a nós, que raramente nos dedicamos a observar estas coisas, porque, como diz um escritor, quanto mais comuns os fatos mais difíceis de serem observados. Tenho, porém, necessidade de prosseguir, estudando um assunto mais importante.

Temos sido ingratos e avaros para com esses mestiços, que já concorrem em alta escala com o seu trabalho para nossa riqueza. Eu, que tenho experimentado a rara dedicação deles, porque devo duas vezes a vida a indivíduos dessa raça, peço licença para examinar, mais detidamente, a sua influência como elemento de trabalho e de riqueza para nossa terra. Há aí uma rica mina a explorar-se, tanto mais quanto é hoje sabido que a mistura do sangue indígena é uma condição muito importante para aclimação da raça branca em climas intertropicais como o nosso.

Talvez que com os fatos que passo a expender, compreendamos que, ao passo que gastamos quase esterilmente milhões com colonização europeia, é triste que figurem em nossos orçamentos apenas 200 contos para utilizar pelo menos meio milhão de homens já aclimados e mais próprios, mesmo pelos seus defeitos e atrasos, para arcar com os miasmas de um clima intertropical como o nosso, e com a selvageria de um país quase ainda virgem, onde a raça branca não pode penetrar sem ser precedida por outra, que arroste e destrua, por assim dizer, a primeira braveza de nossos sertões. E note-se que esses 200 contos, além de serem recentes, são nominais; com selvagens não se