O Selvagem

que isto expressa a ausência absoluta de ideia de gratidão para com o Criador, como pretenderam os portugueses e, sobretudo, os espanhóis?

Quase todos os deuses dos índios americanos, dizem eles, são deuses maléficos, aos quais atribuíam antes o poder de fazer mal aos homens, do que o de lhes fazer bem.

Eis aí o resultado de querer escrever sobre coisas que se não têm examinado. Isto é um absurdo; a proposição contrária é que é verdadeira, isto é, com exceção talvez do Jurupari, não há um só ente sobrenatural entre os selvagens a que não se atribua a ação benéfica de proteger uma certa parte da criação, de que ele era reputado um pai mais próximo do que o sol ou a lua, mas em suma um pai. Isto é fato que tenho examinado com o maior escrúpulo.

O que nunca encontrei entre os selvagens foi a concepção de um espírito sobrenatural cuja missão fosse exclusivamente para o mal, como é entre nós a concepção de Satanás. Isso sim, isso é que não duvido asseverar que não existe. O próprio Jurupari não está nesse caso; as tradições que tenho colhido a esse respeito, e que só se encontram hoje no norte do Império, não são completas, mas a palavra jurupari equivale a isso que nossas amas de leite nos descrevem como pesadelo. É, segundo os índios, um ente que de noite cerra a garganta das crianças ou mesmo dos homens, para trazer-lhes aflições e maus sonhos.(17)Nota do Autor