O Selvagem

inajé para procurar a moça. Eles brigaram muito, por causa da moça. O inajé quebrou a cabeça do urubu.

Sua mãe (do urubu) aquentou água e lavou a sua cabeça. A água estava muitíssimo quente; por isso, sua cabeça ficou depenada para sempre.

XIV

Lendas da raposa

NOTA — Esta coleção das lendas da raposa parece completa e, com método didático, forma o que de melhor encontrei na tradição dos selvagens. São nove episódios, que constituem ao meu ver um verdadeiro colar de pedras finas, tanto pelo espírito e animação do enredo, como pelo laconismo, sobriedade das cenas e clareza com que o pensamento prático, que neles é ensinado, se destaca da ação com que foi necessário envolvê-lo para fixá-lo na memória de povos ainda incultos. Estas lendas sofreriam, sem desmerecer, o confronto com as fábulas de Esopo, Phedro e Lafontaine.

O pensamento do primeiro episódio é o mesmo que Phedro personificou na fábula da cegonha, que tirou o osso entalado da goela do lobo. O primitivo bardo indígena prega a mesma doutrina de que não se deve fazer bem senão a quem merecer, na parábola que assim resumirei.

Tendo a onça sido gerada em uma cova de porta estreita, cresceu tanto que não pôde sair, e ali gemia, quando, passando a raposa, a auxiliou a remover a pedra. Tão depressa a onça se viu livre, quando, pedindo-lhe a raposa a paga, ela pretendeu comê-la. (Até aqui a fábula é como a grega). A raposa apela para o arbitramento do homem; este vai ao lugar, pede à onça que se meta de novo na cova, para ele poder melhor julgar, e, desde que a onça o faz, ele rola a pedra, e ela lá fica presa como estava d'antes. (A segunda parte distancia a fábula indígena da fábula grega, e nesta diferença o ensino moral ganhou, porquanto é certo que, cedo ou tarde, os maus são punidos pelos ruins atos que praticam).