Memórias de um magistrado do império

Mitigo, crendo ver tua beldade

Viva saudade que meu peito sente.

Mas porque, tendo tanta formosura

Te mostras dura, desdenhosa, escassa,

Porque repeles, caprichosa e fera

Paixão sincera que de mim não passa?

Basta de acintes, da amorosa chama

Que o peito inflama, que recebo em paga?

Ingrata! Que me dá em recompensa?

_ Escárneo, ofensa, tão cruel que esmaga.

Minh'alma é triste como a noite escura

Na espessura de caudal floresta

E o meu amor é como a lava ardente

Que jorra ingente do vulcão na fresta.

Porém que importa, se já nada quero

Se nada espero, se me curvo à sorte

Sem esperança, de que vale a vida?

Ela perdida, só desejo a morte.

Mas, nos últimos tempos, o sofrimento terrível não lhe desperta nenhuma inspiração. Limita-se a ouvir as gazetas, romances e cartas dos parentes. De longe descrente e desanimado acompanhava os acontecimentos. O movimento abolicionista apavorou-o, como uma catástrofe. Ainda estava debaixo da emoção do 13 de Maio quando arrebenta inesperadamente o golpe de 15 de Novembro. O abalo foi tremendo. Para quem acompanhou estas memórias desde o início é fácil compreender o que representava para o velho magistrado a queda do Regime. Ele que chorara no Largo do Paço

Memórias de um magistrado do império - Página 357 - Thumb Visualização
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