Expedição às regiões centrais da América do Sul v.1

estado antes, homem que se nos tinha afigurado de todo respeito, mas que agora vinha com o corpo pintado, metade vermelho e metade azul, e que à guisa de vestimenta não tinha mais que o trapo de uma camisa, além de um enorme penacho de penas vermelhas sobre a cabeça. Os nossos companheiros de Boa Vista tinham muita pressa em voltar, assegurando-nos até que haveria grande perigo em permanecer entre estes índios, já meio embriagados e excitados pela dança. Mas eu soubera que à noite dever-se-iam realizar cerimônias misteriosas, pelo que tanto eu como os meus companheiros tínhamos resolvido ali pernoitar. À vista disso, os moradores de Boa Vista nos deixaram e nós tratamos de armar as nossas redes sob a coberta de um rancho aberto. Esta noite foi uma das mais interessantes que passei durante toda a minha viagem. Os índios nos rodearam a princípio, mas logo depois se mostraram mais reservados do que costumam ser os brasileiros. Como se não se dessem conta de nossa presença, deixaram-nos inteiramente à vontade. Todavia vimo-los reunidos à volta de um orador, que depois de tirar sons agudos com uma espécie de buzina, falou-lhes com voz alta e em tom de recitativo. Entre os índios que tinham feito a viagem a Belém, achava-se um moço bastante inteligente, que falava um pouco de português e era conhecido na missão pelo nome de João Apinajé. Mostrou-se ele muito solícito para conosco, prontificando-se a nos servir de intérprete. Soubemos assim sermos nós o assunto das arengas do orador, que dizia à tribo estarmos sob a proteção dos chefes que, embora brancos, éramos amigos e que, finalmente, tínhamos estado no aldeamento vizinho, sem em nada tocar na ausência dos habitantes. Vozes de aprovação seguiram-se a esse discurso, que durara perto de uma hora. Como a lua principiasse então a iluminar a cena, as danças assumiram aspecto diferente, dispondo-se em fila longa uma parte dos guerreiros. Já tive ocasião de lhes descrever o

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