vapor, o trem, o bonde, o automóvel, o avião ... Henry Bataille, homem de um teatro hoje esquecido — vá o termo — superado, é autor de uma peça em que verdadeiramente o grande personagem é o automóvel, que aparece como o grande corruptor, a sua estrutura de metal negro, substituindo como presença e efeito os vários matizes de Don Juan que tradicionalmente vem nutrindo a imaginação de povo e de literatura. Em vez de uma criatura de carne e osso um meio mecânico de transporte simbolizava o conquistador. Esplende a era técnica.
O que impressiona Macedo é o bonde. Se a mulher no Brasil começou a reclamar direitos à vida, montando a cavalo, a sua conquista do direito de ser passageira de bonde tem um sentido até mais amplo que o de ser amazona. Pois que o passeio a cavalo em última análise é um passeio solitário, é uma reclusão montada, ao passo que o bonde já é a promiscuidade, por causa de atritos e solavancos o convívio intersexual é melhor propiciado no carro puxado a burro que em teatro ou igreja. É a hora em que um tipo novo de personagem adquire sentido e relevo: o "bolina". E as modinhas do tempo celebraram-no.
Anda a gente pelos bondes
Sem poder nem se virar,
Porque grita certa moça:
— Este homem quer bolinar!
Anda a gente pensativa,
Sem poder acomodar-se
Esperando a toda hora
O instante de bolinar-se.
Uma vez ia num bonde
Dona Nica satisfeita,
Quando diz pra sua mãe:
Bolinam para a direita!
(Serenatas e Saraus — Melo Morais Filho, vol. III, Garnier, Rio, 1902.)