Memórias da Rua do Ouvidor

CAPÍTULO I

Como a atual Rua do Ouvidor, tão soberba e vaidosa que é, teve a sua origem em um desvio, chamando-se primitivamente Desvio do Mar, e começando então (de 1568 a 1572) do ponto em que fazia ângulo com a Rua Direita, neste tempo com uma só linha de casas e à beira do mar. Como em 1590, pouco mais ou menos, o Desvio do Mar, recebeu a denominação de Rua de Aleixo Manuel, sendo ignorada a origem dessa denominação; o autor destas Memórias recorre a uns velhos manuscritos que servem em casos de aperto, e acha neles a tradição de Aleixo Manuel, cirurgião de todos e barbeiro só de fidalgos; começa a referi-la, mas suspende-a no momento em que vai entrar em cena a heroína, que é mameluca, jovem e linda, e deixa os leitores a esperar por eles sete dias.

A Rua do Ouvidor, a mais passeada e concorrida, e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas da cidade do Rio de Janeiro, fala, ocupa-se de tudo; até hoje, porém, ainda não referiu a quem quer que fosse a sua própria história.

Se tão elegante, vaidosa, tafulona e rica no século atual, porventura lhe apraz esquecer o passado, para não confessar a humildade de seu berço, pois que é do Ouvidor, cerre bem os ouvidos, porque tomei a peito escrever-lhe a história, mas com tanta verdade e retidão que se lembrando-lhe seus tempos primitivos, ela tiver de amuar-se pelo ressentimento de sua soberba de fidalga nova, há de sorrir depois a algumas saudosas e gratas recordações

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