Memórias da Rua do Ouvidor

Os dois escravos receberam o batismo: o índio já meio velho chamou-se Tomé, e a menina ainda criança, Inês.

Deus abençoa sempre as boas ações e sobre todas as virtudes, a caridade.

Aleixo Manuel colheu em breve proveitoso e merecido prêmio de seu nobre e generoso impulso de amor do próximo para com os dois infelizes. Tomé mandado por seu senhor a trazer-lhe do Monte do Desterro (depois de Santa Teresa) a famosa e ótima água da Carioca, internava-se na floresta, e nela recolhia ervas, folhas, cortiças e raízes de árvores, cujas virtudes medicinais por experiência, embora rude, conhecia, e as levava ao cirurgião, a quem indicava as moléstias em cujo tratamento elas aproveitavam.

Com esses novos recursos terapêuticos Aleixo Manuel começou, graças ao nobre escravo, a distinguir-se por admiradas vitórias médicas, ganhou fama; teve clínica extensa e rendosa, reconstruiu sua cabana que se tornou casa muito regular e de bonito aspecto exterior, bem que de um só pavimento e adicionou-lhe a um lado uma cerca ou gradil de varas, fechando pela frente pequeno jardim e canteiros de legumes, seguindo-se para o fundo o quintal.

E com todo esse luxo o cirurgião não teve ânimo de privar-se da glória de barbear fidalgos.

No entanto Inês ia crescendo a traquinar pela casa e pelo jardim e o senhor de dia em dia cada vez se deixava enfeitiçar mais pela escrava.

Mas Aleixo Manuel já era notabilidade, cirurgião famoso, o mais considerado dos moradores do Desvio do Mar, e não havia quem pensasse em dar ao Desvio a denominação de Rua de Aleixo Manuel.

Ao correr do ano de 1590 o cirurgião principiou a observar certa mudança de costumes em alguns fidalgos,

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