CAPÍTULO XXXI
PARA CATAS ALTAS DE MATO DENTRO
"E onde, estulto Velho, onde acharemos o céu de Niterói?
- As férteis plagas Do nosso Paraíba?
- E as doces águas Do saudoso Carioca ... ?"
(Confederação dos Tamoios, Canto IV.)
Dormimos confortavelmente na fazendola. Era a costumeira morada de campo, com um andar térreo ocupado pelos negros e pelos animais e uma escada de madeira conduzindo à sala ou compartimento dos hóspedes. Atrás deste, os cômodos reservados às mulheres e à cozinha, que constituem terra proibida, santuário da Dona de casa. A sala da frente é mobiliada com uma mesa de madeira, sempre umas seis polegadas mais alta do que deveria ser, um ou dois bancos para a gente humilde e uma dúzia de cadeiras com encosto e assentos de taquara leve; estas cadeiras são célebres pela sua particularidade de estragar a roupa, e são verdadeiros instrumentos de tortura para quem se lembra das estofadas. As paredes, sem papel, são ornadas de troféus de caça, armas, peças de arreio para cavalo, estampas de Nossa Senhora, dos Santos, dos antigos heróis de Portugal, do sítio de Arronches e de Napoleão Bonaparte; às vezes há um espelho e um relógio yankee, alto e esguio. Nas regiões pouco habitadas há ainda um oratório portátil, verdadeira capela em miniatura, de dois pés de altura, contendo imagens em tamanho proporcional dos santos padroeiros, estampas, flores soltas ou em ramos; velam os santos pelas pequenas quantias ou valores insignificantes que o dono lhes confia. Num canto da sala, onde não há tapete, encontra-se, muitas vezes, um grande jarro para água, com tampa de madeira, e junto uma caneca de estanho — eis a fonte onde se bebe. Os membros da família dormem no interior da casa enquanto que os quartos, destinados aos hóspedes, dão para a sala. Essas alcovas sem janelas — já que não há necessidade de luz de noite nem durante a sesta — constituem exatamente o legado de Roma antiga às suas filhas, Portugal e Espanha.