Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo III: O rio São Francisco

ainda mais brilhante, ofuscante e estonteante, entremeados com pontos de relativo repouso, como as saliências das ondas. As águas lutam e atropelam-se. Começam separadas e entrelaçam-se ao investirem impetuosamente, plano inclinado abaixo. Agora uma terrível rajada afasta o fino jato e impele-o na direção do vento, em nuvens arredondadas, realçando, assim, o brilho do fundo da garganta. Referve, então, o vapor e estende-se como docel sobre o formidável cenário. Então na plácida atmosfera cinza-opaca e quente, erguem-se as nuvens, aprofundando ainda mais, com o véu de vapor sempre ascendente, a estonteante queda que se abre aos nossos pés.

O efeito geral do quadro - e o mesmo se poderá dizer de todas as grandes cataratas - é o da realização do poder efetivo, um poder tremendo, inexorável e irresistível. Os olhos ficam encantados pelo contraste desse impetuoso movimento, essa impetuosa fúria de escapar e a fraca estabilidade dos fragmentos de arco-íris, que pairam ao alto; com a mesa de pedra, tão sólida ante a investida da água e a placidez das montanhas na planície, cujo lar eterno parece ser aqui. A fantasia fica eletrizada com o aspecto de santuário natural de um santo,(3) Nota do Autor desse mal fazendo o bem, dessa vida na morte, dessa criação e construção pela destruição. É assim, que a devastadora tempestade e o vendaval purificam o ar para a vida. Assim o terremoto e o vulcão, enquanto acompanhados de ruínas, ergueram a terra e prepararam-na para habitação de seres superiores.

A verticalidade da altura torna a brecha menor ao olhar. No entanto, uma pedra atirada com força, só avança um pequeno espaço antes de ser puramente detida pelo vento. O guia declarou-nos que ninguém pode arremessá-la além do três braças e atribuiu o fenômeno ao encantamento. Mágico realmente, posso assegurar, é realmente o ambiente de Paulo Afonso: é a expressão natural da glória e da majestade, o esplendor e o brilho da cena, que a Grécia povoaria com formas de beleza e que a Alemanha teria povoado com coros de silfos voadores e ondinas dançarinas. O ruído cavo do peso do turbilhão das águas torna mais fácil ver os lábios moverem-se que ouvir a voz. Procuramos a causa em vão. Só vimos da catarata um pequeno ramo, a cachoeira do Angiquinho, assim chamada por causa de uma de suas ilhotas rochosas. Tem como fundo de cena, na margem direita, árvores comparativamente grandes, um verde capinzal e arbustos, dádivas do jorro da água espalhada pela viração marítima provinda do leste. Aquele belo jorro de água seguramente não podia ser responsável pelo ronco abafado que nos chegava aos ouvidos. Não tardamos a descobrir de onde ele provinha.

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