Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo III: O rio São Francisco

Sentei-me sobre a "quebrada"(4) Nota do Tradutor até ficar certo de que não poderia tornar-me "incorporado às águas". O que a princípio me pareceu grandioso e sublime, acabou por criar uma sensação de temor intenso demais para ser, de qualquer modo, agradável. Abandonei o posto até que a confusão e a emoção pudessem passar. O resto do dia passamos no acampamento do Caraíba, onde os cuidados menores da vida fizeram valer sua importância. A areia levantada pelo vento alísio, forte e firme, era incômoda, e a superfície ressecada pelo sol produzia permanente viração. Estávamos agora na própria boca do funil, o vasto ventilador que dirige as ventanias para o curso superior do São Francisco. Muito longe, para o lado do mar, podíamos ver as nuvens acumulando-se para a chuva. À noite, as nuvens corriam rápidas pelo céu e uma ventania furiosa dispersou as nuvens de mosquitos, ávidos de sangue. Nossa canção de ninar era a música de Paulo Afonso: o baixo profundo e trovejante, produzido pelas vibrações mais longas e mesmo frequentes das quedas-d'água, e o soprano staccato dos mais breves ruídos das ondas. Não havia, contudo, o barulho desagradável de uma pancada. Os sons baixos eram essencialmente melodiosos e, às vezes, surgia uma expressão em tom menor, que poderia ser registrada em notação musical. Lembro-me de que não consegui dormir com ruído do baque da Niagara, cuja poderosa orquestra durante o silêncio da noite parecia percorrer um repertório de oratórios e óperas.

Dedicar-nos-emos agora em prosa à Grande Cachoeira.

O nome, como acontece geralmente nessas regiões, é um ponto duvidoso. Alguns fazem de Paulo Afonso um missionário-pastor, lançado ao abismo pelos lobos, seus cordeiros pele-vermelhas. Outros contam a história de um frade, que vinha descendo o rio em canoa, quando os índios remadores gritaram horrorizados que estavam sendo sorvidos pela catadupa. Ele rogou-lhes que mantivessem bom ânimo e desceram a salvamento. "Tais sacerdotes hoje são raros", observou o Sr. Manuel Leandro com escarninho desrespeito. Semelhantemente na província de São Paulo, o rio Tietê tem uma perigosa cachoeira conhecida como Avarémandava,(*) Nota do Leitor cachoeira do padre. Aqui, segundo uma lenda jesuítica, o padre Anchieta, um dos numerosos taumaturgos do Brasil, foi salvo das águas, algumas horas depois de tragado, "vivo e lendo seu breviário, com uma luz na mão".(5) Nota do Autor Cronistas mais sóbrios declaram que o pobre homem foi arrastado e quase se afogou. A gigantesca catarata de Tequendama, devemos lembrar, tem

Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo III: O rio São Francisco - Página 264 - Thumb Visualização
Formato
Texto
Marcadores da Obra