a habitual coroa. Um pouco abaixo, à esquerda, mostraram-nos um banco de areia onde um grupo de folgazões passou por dolorosa experiência. Isto há cerca de oito anos. Voltavam de uma festa na Extrema, pequeno lugar, depois de grande pândega. A embarcação em que iam bateu numa pedra e todos morreram afogados.
Passamos pelo riacho da Fome, nome de mau agouro, mas agora não muito rara. Ancoramos antes do pôr do sol na boca de um sangradouro chamado Cachoeirinha, nome de uma povoação vizinha.(15) Nota do Autor O barranco argiloso do rio tem ali cerca de onze metros de altura e o canal, que serve de escoadouro de uma lagoa, mede aproximadamente uma milha de comprimento. O peixe chamado mandim(16) Nota do Tradutor estava acordado e roncava como um peixe-cabra. Essa fome à tarde levou os barqueiros a concluírem que era sinal de chuva. Logo depois começou a soprar um vento frio de leste, acumularam-se as nuvens e o horizonte ficou luzindo com o reflexo das queimadas nos campos, que facilmente poderiam confundir-se com as descargas elétricas. Durante o princípio da noite o vento soprou com mais força. Não demorou que desabasse a chuva cuja demora já se fazia sentir.
O dia mostrou-nos uma porção de vida animal maior que de costume. Um jacaré olhou-nos da margem do rio, com o focinho curto e redondo, curioso. Outro estava estendido como morto, sobre umas pedras. Os jacus (penélopes) gritavam no alto das árvores oferecendo boa caça. Mas o mato era muito espesso para uma caçada, embora nos esforçássemos para melhorar o cardápio. Uma grande lontra mergulhou perto de nós e de vez em quando ouvíamos-lhe os gritos que os barqueiros comparavam às gritarias e palavrões das peixeiras e com as objurgatórias do diabo. Há duas espécies de lontras: a comum (Lutra brasiliensis) e a lontra grande, também chamada pelo nome tupi de ariranha.(17) Nota do Autor Dizem que esse animal chegava a atingir dois metros; a cor, de um castanho mais claro que o da espécie menor, ostenta uma circunferência branca em torno do pescoço. Talvez seja essa espécie que deu origem à lenda da mãe-d'água. Morde terrivelmente e os cães temem persegui-la quando ela foge sobre as pedras. A lontra existe em grande parte no Brasil. É comum nos rios do litoral. Se a mão de obra fosse mais barata sua pele poderia penetrar nos mercados da Europa. Os moradores do rio São Francisco perseguem-na porque ela ataca os peixes. Vive em famílias, abre túneis nas margens dos rios e emite suspiros à superfície. O caçador fecha ambos os orifícios e depois abre o da entrada. Quando a lontra corre para respirar é morta ad libitum. Muitas vezes são mortas a tiro nos córregos. Seus corpos são encontrados depois