Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo III: O rio São Francisco

ocupação principal é vender cachaça. O ferreiro, com avental de couro lembra o Vulcano, aldeão da Negrolândia. As casas ricas têm escadas de madeira que conduzem ao pavimento superior; as mais pobres, simples toros de madeira acima do caminho lamacento, chamado rua por simples cortesia. Para o sul, algumas construções estavam escoradas com estacas, outras arruinadas. Não poucas tinham um quarto encaixado no telhado, sem paredes, coisa que os Tupi chamam de copiar ou gupiara e, às vezes, água-furtada. É aí que o viajante tem permissão para suspender sua rede e cozinhar sua comida.

Indo para o norte, passamos pelo quartel. Havia no interior carabinas penduradas. Estava ocupado por oito soldados que, no papel, são considerados um batalhão. Esses pretos, de quepe e túnica, pareciam um tanto mais bisonhos no cumprimento do dever do que o resto da população. Olharam com curiosidade nosso cinto de couro, mas não nos importunaram. Além do quartel fica o largo da cadeia, com teto de telhas, mas sem paredes embaixo. Representa uma simples sugestão para a futura prisão. O joão-de-barro construíra ironicamente seu domicílio nos barrotes e em não poucas cruzes transversais, profusamente espalhadas pela construção.

Além do extremo norte da rua do Fogo, e cercada de mato, ficava a velha igreja do Rosário, em completa ruína. Virando à esquerda subimos a rua Direita, embrião de via comercial, com doze casas, inclusive a de um ferreiro. Essa rua sobe, em rampa suave, do rio até o cemitério anunciado por um cruzeiro, do qual metade dos instrumentos da paixão haviam sido arrancados. Essa cidade dos mortos tinha na frente um muro de pedras grosseiras, mas os outros lados não tinham separação de espécie alguma. O solo estava coberto de madeira e recoberto desordenadamente de túmulos sem monumentos. No centro da rua principal ficava a praça do Novo Rosário, um templo pintado de branco com três janelas: modelo de pobreza. A oeste dessa igreja fica a rua da Boa Vista, bairro aristocrático, com trinta casas. Daí tem-se um belo panorama do rio, abrangendo a ilha, as vizinhanças da cidade, acima e abaixo do curso do rio, e dos morros azuis e baixos do lado da Bahia, quer dizer o lado oriental. Enviei um cartão ao delegado, Sr. João Carlos de Oliveira e Sá. Creio que ele não conhecia aquele instrumento da civilização, pois deixou-nos na chuva até que um amigo, viu-nos da janela, convidando-nos a entrar. Após examinar o cartão, como um corvo examina um tutano, voltou-se para mim com um tom enfastiado. Disposto a não me dar por derrotado, apresentei a minha portaria, ou salvo-conduto imperial.

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