do capitão, disse eu uma missa, como se diz no mar, encomendando a Nosso Senhor nossas pessoas e vidas, suplicando-lhe eu, embora indigno, que nos tirasse de tão manifesto trabalho e perdição, que já claramente se esboçava, pois ainda que quiséssemos volver águas acima já não era possível pela força da correnteza, e tentar ir por terra era igualmente irrealizável. Estávamos em grande perigo de morrer da grande fome que padecíamos e assim, buscando o conselho do que se devia fazer, comentando a nossa aflição e trabalhos, resolveu-se que escolhêssemos de dois males aquele que ao capitão e a todos nós parecia o menor, e foi ir por diante, seguindo o rio: ou morrer ou ver o que nele havia, confiando em Nosso Senhor que se serviria por bem conservar as nossas vidas até ver o nosso remédio. A falta de outros mantimentos, entretanto, chegamos a tal extremo que só comíamos couros, cintas e solas de sapatos cozidos com algumas ervas, de maneira que era tal a nossa fraqueza, que não nos podíamos ter em pé. Uns de gatinhas, outros arrimados a bordões, meteram-se pelas montanhas em busca de raízes comestíveis, e houve alguns que comeram algumas ervas desconhecidas, ficando às portas da morte, pois estavam como loucos e não tinham miolo; mas como Nosso Senhor era servido que continuássemos a nossa viagem, nenhum morreu. Com semelhante fadiga iam alguns companheiros mui desmaiados, aos quais o capitão animava, dizendo-lhes que se esforçassem e tivessem confiança em Nosso Senhor, que Ele que nos havia lançado por aquele rio, teria por bem levar-nos a porto e salvamento: e assim animou aos companheiros para que suportassem aqueles trabalhos.
No dia de ano bom de quarenta e dois pareceu a alguns de nossos companheiros que tinham ouvido tambores de índios, uns afirmavam, outros diziam que não.