ou deprimentes sobre a gente e a terra alvo de sua curiosidade esclarecida. Referindo-se aos mamíferos ou aves que ia encontrando, jamais se limitara Wied a escrever "vi um bando de macacos", "atirei num lindo papagaio" ou "esvoaçavam borboletas multicores", mas invariavelmente se preocupara em indicar de modo inequívoco a espécie zoológica de que se tratava, apontando-lhe o nome pelo qual poderá quase sempre ser rigorosamente identificada, ou, quando se supunha diante de urna forma não descrita, em fornecer a súmula dos caracteres necessários ao seu futuro reconhecimento. Muitas espécies novas foram assim apresentadas pela primeira vez ordinariamente em notas extratexto, fato absolutamente relevante para os sistematistas, e de todo excepcional nos trabalhos do gênero. Como se pressentisse ainda a importância capital que viria a adquirir, com o evolucionar da ciência zoológica, o estudo da distribuição geográfica em paralelismo com as modificações morfológicas apresentadas pelas formas vivas, o autor sempre timbrara em informar com escrupuloso cuidado os lugares de observação ou de procedência dos exemplares que coligira. É desnecessário encarecer o valor dessa contribuição, até hoje de inestimável auxílio à tarefa dos continuadores.
Não obstante, porém, essa feição, por assim dizer, especializada, que admite ao lado da simples narrativa dos incidentes de viagem a apresentação de novidades científicas, nunca resvalara o escritor a um falar técnico capaz de fazer a matéria inabordável ou menos atraente ao leitor comum. Antes, pelo contrário, a singeleza do estilo, a fidelidade inflexível na exposição dos fatos, o realismo esplêndido no debuxo das cenas, a que realçam amiúde requintes de pormenor, verdadeiros selos de autenticidade, a associação harmoniosa da curiosidade do sábio com a sensibilidade do esteta, tudo contribui para tornar a leitura da Viagem raro prazer intelectual, pelo menos para quantos o artificialismo da atual civilização não haja embotado de todo os sentimentos que prendem o homem à natureza, essa "única bíblia verdadeira" de que falou o poeta. Lê-lo é acompanhar o viajante em sua longa e acidentada peregrinação através das matas virgens e dos agrestes descampados, sentir com ele todas as emoções que o salteavam a cada trecho da jornada, admirar a solene beleza dos quadros admiravelmente descritos e até participar dos sustos, riscos e privações, a que se não poderia inevitavelmente furtar. Transportando-nos mentalmente a lugares primitivos e distantes, revivendo épocas que o passado reveste com a inexprimível magia peculiar às cousas extintas, é