Gente sem raça

que deverá opinar. A tradição histórica está exposta, como qualquer testemunho humano, a infidelidades na percepção dos fatos, como a vícios de transmissão. Quem, no passado, registou o fato, poderia haver sido vítima de erro de percepção. Ao transmiti-lo, poderia haver, igualmente, errado. Para isso, além do erro, de todo involuntário, não é impossível a insinuação de pendores ou de prevenções que concorram para a desfiguração da verdade. É sobre esse material suspeito que trabalha o crítico histórico. Se não o socorrer senso lógico; se não for prudente na seleção dos fatos; se lhe faltar imparcialidade — ajuntará novos erros às inexatidões dos antecessores. A história é uma seara de inverdades. Não será por outro motivo que a linguagem popular chama história à versão mendaz dos fatos.

No Brasil é infinito o número dos que traem sua convicção por motivos pessoais, entre os quais avulta a preocupação da originalidade. A opinião corrente está orientada em determinado sentido. Ninguém dissente da versão comum. O excêntrico, entretanto, não quer participar da opinião em vóga. Para ser diferente, monta em um incidente secundário e, como se cavalgasse o Pégaso mitológico, dá asas à imaginação, descortinando aos olhos de seus leitores uma visão inédita das coisas. Ninguém duvida da existência de Napoleão. O século 18 está cheio de suas façanhas; o mundo ainda conserva as cicatrizes de suas batalhas. O original, porém, faz tábula rasa de tudo e sustenta, por a + b, que Napoleão é um mito.

Ha quase dois mil anos, celebra a humanidade as glórias de Jesus Cristo. Ninguém pensou, jamais, em negar sua existência. Razão ponderosa para que suscite sua dúvida o homem da caixinha de surpresas.

Uma nuga insignificante, um pormenor desprezível do qual ninguém, jamais, cogitou extrair consequências sérias, para o ilusionista histórico constitui manancial

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