O idealismo da Constituição

Num país dominado pela política de clã, onde há regiões inteiras taladas ainda por sanguinolentas lutas de família e onde os grupos partidários não passam de bandos que se entrechocam, não por ideias, mas por ódios personalíssimos e rivalidades locais de mandonismo, não menos idealistas seriam os que — à guisa, porventura, do que, nas suas viagens de touristes, viram e admiraram nas pacíficas cidadezinhas inglesas e nas ativas towns americanas — sonhassem instituir em tal país, onde o adversário político é considerado pelos vencedores um verdadeiro outlaw, um regime de proteção e defesa das liberdades e direitos individuais segundo o padrão anglo-saxônico. Quero dizer: por meio de uma justiça eletiva e de uma polícia eletiva, saídas uma e outra do escrutínio das facções beligerantes. O mecanismo político criado sob esse modelo teria fatalmente de faltar à sua finalidade interna: a garantia do direito. Não, propriamente, por defeito da sua estrutura íntima; mas, pela sua nenhuma adaptação às condições reais da sociedade, em que deveria funcionar. Seria, pois, uma construção eivada de idealismo utópico, no sentido que damos a esta expressão.

Idealismo utópico é, pois, para nós, todo e qualquer sistema doutrinário, todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende reger e dirigir. O que realmente caracteriza e denuncia a presença do idealismo utópico num sistema constitucional é a disparidade que há entre a grandeza e a impressionante euritmia da sua estrutura e a insignificância

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