De há muito procuramos delinear a curiosa mentalidade europeia, em que paradoxalmente se justapõem rigorosos ditames morais no sentido de relações de europeus entre si, nos limites do Ocidente, e total licença quanto ao seu procedimento com os tais antípodas, que os precursores portugueses intensivamente exploram. Somente agora nossas observações começam a interessar estudiosos do assunto, em que vemos súditos exemplares de monarcas cristãos receberem rigorosa educação no ambiente pátrio a fim de não atentar contra os interesses dos seus semelhantes, e, de outro lado, os mesmos desvelados cumpridores de deveres cívicos, obedientes à rigorosa ética e princípios inflexíveis, considerarem louvável, patriótico e dignificante, necessário ao bem-estar e prestígio nacionais, intensiva exploração das míseras populações americanas, africanas e asiáticas, compostas de milhares de indivíduos, tão só culpados de possuírem riquezas no solo em que nasceram.

O abuso da força, noção de superioridade em todos os terrenos, garantida por meios de destruição, chegaram a se tornar um direito de "civilizados" sobre o "gentio" de outros continentes. Na situação assim concebida expandiu-se pelo mundo a velha mentalidade predatória europeia, exercida em todos os tempos, onde conseguiu manifestar-se, dentro e fora do Ocidente. Durante séculos ela nos mostra a incessante luta de reinos contra reinos, cidades contra cidades, castelos contra castelos, aldeias contra aldeias, casa contra casa, em intérmina porfia para uns se engrandecerem à custa dos outros. Certo apreciador de sucessos revolucionários e napoleônicos, hoje voltado à tona e reconhecido de maior valor do que se supunha, o abade de Pradt, comentava após a queda do império francês: ´Pendant beaucoup de siècles, la guerre a été l'occupation habituelle de l'Europe; les croisades, les guerres des empereurs contre les Maures, de l'Angleterre