o seu estado de miséria atual é, indubitavelmente, consequência de muitas catástrofes e peripécias, que lhe sobrevieram no transcorrer de séculos insondáveis, e que a precipitaram de desgraça em desgraça, até chegar ao triste estado de descultura e desnaturamento em que a encontramos". Esposa o conceito, segundo o qual o aborígine provinha de outra civilização: "O americano (aborígine) não é um povo selvagem, mas sim asselvajado e decaído. Embora em algumas regiões dessa grande terra possamos encontrar grupos e tribos — como os do México e do Peru — que não nos deixam impressão tão triste e desoladora como os índios do Brasil, estou convicto de que também eles não passam de miseráveis restos de povos mais cultos, muito mais adiantados; e, mais, que a sua decadência já se realiza há muitos séculos antes de o europeu aqui aportar. Os referidos grupos, sobreviventes da primeira gente, também não escaparão à execração de um desaparecimento rápido do cenário, a triste e inevitável sina destes outros grupos mais degenerados". O europeu — se excluirmos o holandês — não contribuiu para melhorar o aborígine, que só teria a agradecer-lhe uma coisa: o lhe ter trazido os jesuítas, que, de resto, foram perseguidos e expulsos, exatamente por se colocarem na defesa do índio contra o português corruptor e assolador. Mas o aborígine amparou o europeu, reabastecendo-lhe todas as expedições náuticas, desde as primeiras, desde a primeira; e ensinando-lhe a agricultura. Isso deve ser dito num primeiro ajuste de contas.
Hoehne estaria certo, ao afirmar que os prodígios da agricultura, aqui existentes — as numerosas roças de milho e de mandioca, e outras plantas domesticadas e selecionadas — não foram realizados pelos índios asselvajados, que o europeu encontrou, devendo-se, antes, admitir a hipótese de Martius, de cataclismo, que, subvertendo tudo, matou o homem e lhe conservou a obra. Poder-se-ia ponderar que, nas espécies vegetais — como nas animais — a tendência incoercível é para a degenerescência, que só se evita mediante cuidado constante. Não vale a pena, entretanto, discutir o caso; o que importa é fixar o estádio do aborígine, quando chegaram os europeus. Ora, é incontestável que, graças a ele próprio, ou a seus antepassados, praticava a agricultura, em grau mais ou menos igual ao então conhecido na Europa, onde ela decaíra notavelmente, depois de ter conhecido o apogeu à época da queda do Império Romano. Claro que, não conhecendo ainda os instrumentos de metal, e lavourando solo às vezes extremamente rico — não extremamente fértil, mas apenas extremamente rico — os índios não poderiam expandir-se muito nas lides agrícolas. Calcule-se com que dificuldades derrubavam matas a machados de pedra polida, e cavavam o chão, com chuços. Entretanto, não seria temerário afirmar que, em eras prístinas, houvera aqui grandes extensões cultivadas. Quem conhece o interior do Brasil, conhece também este fato comum: depois que, derrubada a mata virgem, se mete fogo, surge imediatamente intensa