te enfades com a minha franqueza: devias estar catalogado num museu, ou transformado pelos cadinhos da fundição em outros objetos uteis. Assim é tudo. Eu também, meu velho, serei transformado nos vegetais que se comem, no ar que se respira. Como estás, ao invés de mostrares tão somente o que fomos há 300 anos, dás o mais eloquente testemunho do nosso atraso, do nosso relaxamento e incompetência para tudo o que diz respeito ao progresso. Já deverias ter sido substituído. Tu, aqui, despertas risotas, histórico bronze, ao passo que num museu todos te visitariam com o chapéu na mão, e reverentes se curvariam ante o teu majestoso vulto. Dei-lhe mais algumas pancadas e lá ficou ele com seus sons plangentes entoando sentida néscia ao passado, como se fosse a própria voz da saudade.
Corri um olhar à direita e outra à esquerda e vi alguns quartos que deveriam ter sido as habitações da guarnição. A família do sargento estava aí acomodada. Descendo o plano inclinado que levava ao portal da saída, à direita notei uma masmorra lúgubre, em que a luz mal podia penetrar pela minguada janela quadrada de ferros grossos. Nas paredes humildes, inscrições bastas e ininteligíveis, diários de angústia de infelizes que ali foram, talvez, pagar culpas alheias. Embalde procurei ler. O tempo... Bem diz o poeta do mato:
"O tempo gasta e consome,
Da própria pedra o letreiro:
Só não gasta nem consome,
Um amor que é verdadeiro."
Saí. Como quem da escuridão penetra de repente na luz, fiquei um momento aturdido, parei um pouco, até ajeitar-me ao mundo da atualidade: dentro do forte havia regredido 300 anos.