de raiva contra tudo o que é turco, não hesitam em deformar a realidade, sobretudo se está em contradição com sua aspiração secreta. Assim, acontece a certos viajantes que não conhecem uma palavra de turco dissertar longamente sobre a obscenidade dos propósitos de Karagós ou de tomar seu braço exageradamente comprido por um objeto indecoroso. Acontece também a certos outros, guiados sempre pelos mesmos intérpretes, irem ver Karagós, não nos lugares onde o teatro de sombras tinha suas sessões de acordo com a tradição, mas em algumas tavernas suspeitas de Galata, fervilhantes de marinheiros, onde exibidores de baixa qualidade podiam permitir-se toda espécie de improvisações mais ou menos imorais".
Mas já Théophile Gautier, em 1853, assinalava a existência de dois tipos de teatros: um culto e outro licencioso:
"Neste último, as crianças e, sobretudo, as meninas de oito a nove anos abundavam. Algumas lembravam, em seu sexo ainda indeciso, essas bonitas cabeças da "Saída da escola", de Deschamps, tão graciosamente bizarras e tão fantasticamente encantadoras. Com os seus belos olhos espantados e encantados, abertos como flores negras, olhavam Karagós entregando-se às suas saturnais de impurezas e manchando tudo com seus monstruosos caprichos. Cada proeza erótica arrancava a esses anjinhos, precocemente corrompidos, gargalhadas argentinas e palmas que pareciam não ter mais fim. O pudor moderno não suportaria essas loucas atelanas, onde as cenas lascivas de Aristófanes combinam-se com os sonhos cômicos de Rabelais".
Estendemo-nos sobre Karagós, não somente porque ele é o ancestral mais antigo de certos tipos de todos os teatros de bonecos do mundo, principalmente dos populares, como porque, partindo dele, teremos de analisar as constantes de obscenidade, devoção, desprendimento, ardil, sabedoria, pouca-vergonha ou sacrifício, próprias dos nossos Beneditos e Tiridás. O boneco, neste sentido, representa a alma humana contendo, numa contradição, o bem e o mal, capaz de livre-arbítrio.
O teatro de marionetes foi popular na Grécia antiga. Há várias referências a respeito em Xenofonte, Luciano, Homero,