a se impor aos membros do Conselho Ultramarino e à autoridade do rei. O remédio era exigir a confirmação pelo rei, com a intervenção do próprio Conselho Ultramarino. Não somente para confrontar as doações já outorgadas, como para precisar se haviam obedecido aos limites da jurisdição dos governos locais ou até mesmo para determinar se correspondiam às condições básicas, estabelecidas para o regime das sesmarias." (Loco citato, p. 255-256.)
Como compreender, em face dessa orientação, os imensos latifúndios de que se diziam donos a Casa da Torre e a Casa da Ponte? Não seria um caso de precursores dos "grileiros" de nossos dias? Os meios é que se alteram, no decurso do tempo. Hoje, inventam-se documentos, que não resistiriam a um exame sério, como o de domínios decorrentes de formais de partilha fundados numa descrição de bens de fantasia, sem qualquer documento que os apoie. No século XVII ou XVIII, seria mais fácil levar ao infinito os limites das sesmarias concedidas, e manter uma tropa para exigir o pagamento de foros indevidos. Que poderia fazer o posseiro? Perdido e isolado num imenso território, sem ter meios para os recursos judiciais, sem ter mesmo facilidade de acesso aos tribunais organizados, sem a possibilidade de contratar defensores e de lhes pagar os honorários que viessem a exigir, tornava-se mais barato ceder de saída aos grupos de pressão que, de armas na mão, lhe reclamavam o pagamento do foro estabelecido. Tanto mais quando esses grupos de pressão estavam à mercê de famílias poderosas, muito bem relacionadas com os magistrados, que compunham aquela relação que frei Martinho de Nantes classifica como o "parlamento do país". Que podiam fazer povoadores sem prestígio? Pois se os próprios missionários, dedicados à defesa das aldeias e contando com a ajuda de ordens religiosas, numa época em que a Igreja constituía um poder efetivo, não raro se sentiam superados pela força dos sesmeiros onipotentes? No Brasil, como alhures, o direito de propriedade se fundamentou muito mais na força, que o tornava efetivo, do que em títulos, que poderiam ser contestados. Era, afinal, o "latifúndio de boca", baseado nas armas que o defendiam. As lutas travadas por frei Martinho de Nantes valem como uma admirável comprovação dessas realidades, que ainda constituem benemerência para os exploradores do povoador solitário, abandonado num deserto, sem saber sequer o nome dos governantes. Não é por outras razões que o Brasil se foi constituindo, através dos tempos, como uma soma de desertos, no império dos latifúndios.