Não é apenas nesse aspecto que se torna preciosa a Relação de frei Martinho de Nantes. Mostra-nos, também, como foi dizimada a população indígena, mercê de declarações falsas que autorizavam as guerras justas para a sua escravização. A necessidade de reduzir o número de prisioneiros, para aliviar os problemas de abastecimento e de segurança, em longas travessias, obrigava ao sacrifício imediato dos guerreiros, mesmo quando se rendiam à discrição e sob a condição de que lhes poupassem a vida. Como revela frei Martinho, custavam pouco os esforços dos preadores de índios, por mais que os encarecessem nas patentes concedidas ou nas honrarias outorgadas. A tropa que se organizava para a conquista contava com o auxílio dos índios já pacificados, que marchavam em companhia dos missionários que os assistiam. As munições de guerra, balas e pólvora, eram fornecidas pelo governo. Revela frei Martinho que as "munições de boca" consistiam em carne-seca e um pouco de farinha para o coronel e alguns dos principais; para os outros portugueses e para os índios, nada era levado. Matava-se o gado dos currais encontrados pelo caminho. Os índios se mantinham com a caça, o que podia explicar situações de grande dificuldade, como a que enfrentaram na luta travada contra o gentio que invadira as regiões do São Francisco, nas alturas do rio Salitre. Eram grandes as compensações com a captura e venda dos índios às senzalas do litoral, ou para suprir o harém dos conquistadores. Em linguagem atual, pode-se dizer que a guerra aos índios era um importante investimento, talvez o mais rendoso de que se poderia lançar mão, com uma população curtida nos perigos das entradas, em que talvez pudesse encontrar a sedução e os atrativos de uma aventura. Como se transformam os critérios de julgamento através dos séculos! Muitas dessas entradas e bandeiras talvez pudessem ser hoje averbadas de genocídio. E os apregoados sofrimentos dos navios negreiros talvez não excedessem o martírio do gentio descido para as senzalas do litoral.
A personalidade de frei Martinho de Nantes, tal como nos aparece à margem de sua Relação, acaba nos seduzindo, mesmo quando supõe ou acredita que está enganando o adversário. Sua inteligência e extraordinária bravura não impedem que vez por outra transpareça a imensa candura de sua alma. Exemplo disso está no episódio em que entrega a Francisco Dias de Ávila a ordem, que recebera do governador Roque da Costa, para que fosse obedecido pelos povoadores das margens do rio São Francisco. Acreditava estar agindo da melhor forma quando substituiu a ordem do governador por uma carta, no mesmo sentido, com a