Relação de uma missão no Rio São Francisco

altivas, ou até mesmo temerárias, ou inconvenientes para um ministro do Evangelho, que precisa estar imbuído de humildade, de doçura e de paciência. Permiti que vos diga que os missionários, entre os selvagens, são obrigados a desempenhar a tarefa de governadores, de juízes, de pais e de mães e de protetores contra as injustiças dos portugueses, habitantes desses lugares, e dos quais a maior parte são criminosos exilados de Portugal, ou gente viciosa, que, se encontrando afastados do governo cento e cinquenta ou mais léguas, oprimiriam os índios e cometeriam desordens sem número, como faziam antes, à sombra da impunidade, se os missionários não se investissem de autoridade e de decisão para combater tais excessos: é preciso, também, revelar coragem perante os índios, para reduzi-los aos seus deveres, como tantas vezes a experiência o demonstrou; pois que, se percebessem timidez no missionário, seriam levados a desprezá-lo e não fariam senão o que quisessem, não tendo, nessas paragens, nenhuma ideia da virtude. É preciso, pois, admitir grande diferença entre as missões junto a povos policiados, que têm príncipes e magistrados, e as que se estabelecem entre homens que vivem mais como animais do que como homens, e que por isso é necessário domesticar e proteger contra a violência dos opressores. Perdoai, também, meu caro Leitor, a simplicidade de estilo, que se ressente da idade de seu autor. Eu não pensava tornar pública esta Relação, não a havendo escrito senão para os meus superiores, que desejavam estar informados do que se havia passado em nossa missão, o que eu fiz sucintamente, e com a simplicidade de uma informação a eles tão somente destinada. Mas o falecido monsenhor bispo de Cornualha, Francisco de Coetlogon, tomando conhecimento desta Relação, através de uma conversa com que me honrou, significou-me o desejo de a conhecer e, ouvindo a sua leitura, mostrou-me o desejo de que eu a publicasse. Enfim, depois de alguma insistência, com que de novo me honrou, manifestou, em carta que me escreveu, o seu desejo, em termos altamente generosos, acreditando que serviria de edificação aos leitores, instruindo também os que Deus convocasse para essa tarefa, fazendo conhecer, por meio desta simples narrativa, os trabalhos que teriam que enfrentar, para o êxito de uma empresa tão importante para a glória de Deus e para a salvação do próximo. O respeito e a obediência que eu devia a esse ilustre prelado, tão cheio de bondade para comigo e para com todos os nossos religiosos, me obrigou a fazê-la imprimir, por mais simples que seja, com a permissão de meus superiores, que na verdade teriam desejado que o estilo fosse mais castigado. Mas o tempo e outros obstáculos me impediram de retocá-la.

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