Eça e o Brasil

Faro ultrapassa, todavia, esses limites: é obra de erudição partida de intérprete dos mais abalizados da imensa criação literária de Eça de Queirós e, ao mesmo tempo, trabalho de analista e de pesquisador minucioso do que escreveram sobre Eça. Se a matéria do livro se concentrou, de preferência, no exame das ligações da vida e da obra de Eça com o Brasil e o Rio de Janeiro, - explicou-o Faro - foi porque ele, autor, jamais se desvinculou de sua condição de brasileiro e carioca.

Essa alegada circunstância de ser "brasileiro e carioca", na vida de Arnaldo Faro, entrelaçada, durante muito tempo, à de um grupo numeroso de companheiros de colégio, engrossado, mais tarde, por outros, saídos da faculdade, - grupo acentuadamente brasileiro, mas acima de tudo carioca, pelo jeito de sentir, e de falar, e pelo de viver - é elemento decisivo para que se compreendam o interesse e o carinho com que Arnaldo Faro se teria dedicado à tarefa de compô-lo: Eça, velho apego literário; o Brasil, e sobretudo o Rio de Janeiro, sua paixão de brasileiro e carioca, que era a mesma paixão de seus amigos - os amigos daquele grupo a que nós, na intimidade, chamávamos a turma.

Teve início a formação desse grupo de companheiros no valetudinário Colégio Paula Freitas, hoje inexistente, na década de 20, quando os garotos do primário andavam de calças curtas e iam de bonde para a escola. Arnaldo Faro era habitante de Saenz Peña, filho de português comerciante, com negócio de vidros e molduras, no centro da cidade. Menino rico, acreditávamos que o fosse: não o ostentava pelos modos, comparáveis aos nossos. Mas havia uma diferença, quanto às propensões. No grêmio literário do colégio, cujo funcionamento dependia, em sua elevada alçada, da vontade onipotente de mestre Porto Carreiro, tradutor de Rostand e alta figura magisterial, o menino, o rapazinho Faro, havia de distinguir-se, muito acima da média dos oradores escolares, como um pequeno Cícero, difícil de derrubar. Cresceu com essa qualidade: falava bem, com agudezas na língua, talvez herança incontrolável das leituras do Eça.

Do colégio à faculdade, mantivemos a turma, já agora num nível mais livre de rapaziada. Nesse doce capítulo da vida, inclua-se, no transcorrer da evolução do grupo, tudo quanto, sem desmerecimento, se possa incluir na história de moços saudáveis, que se divertiam à carioca, faziam tiro de guerra, compunham sambas

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